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 Ausência do Censo representa retrocesso na Educação

   Falta de pesquisa afeta planejamento da educação e alfabetização das crianças em idade escolar

Equipe: Giovanna Giaretta, Jaciara Lima,
Joana Rosário e Kinderlly Brandrão

Os dados do Censo permitem realizar um diagnóstico local e específico sobre os indicadores da educação. Junto com as demais pesquisas complementares realizadas com mais frequência, ele permite monitorar as políticas públicas para o cumprimento da garantia do direito à educação no Brasil. O Censo possibilita, principalmente, planejar a educação por meio do direcionamento de verbas, conforme a quantidade populacional. Sem ele, a educação brasileira está no prejuízo há pelo menos um ano.

 

A pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) busca verificar a renda da população, a taxa de analfabetismo e de natalidade, entre outros dados. As informações do Censo também viabilizam um diagnóstico acerca do trabalho infantil, evasão e exclusão escolar, possibilitando que o governo entenda a vulnerabilidade das famílias brasileiras. 

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Os principais problemas que a educação enfrenta estão relacionados com os cortes orçamentários na educação, o baixo percentual de investimento do PIB na pasta, a falta de infraestrutura e saneamento básico e o atraso na melhoria das políticas públicas. Além disso, há ainda os problemas decorrentes da pandemia, como a falta de vínculos dos estudantes com a escola, os prejuízos do desenvolvimento cognitivo, social e emocional das crianças, a defasagem do processo de letramento e alfabetização e as desigualdades educacionais entre as crianças das camadas populares e as demais. Estes problemas evidenciam a dívida histórica educacional do Brasil com seu povo. Mais de 50% da população do Brasil é composta por pessoas pretas e pardas que, apesar de serem maioria populacional, são ainda as mais afetadas pela falta de escolaridade e pela baixa renda. 

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Uma carta escrita por cinco ex-presidentes do IBGE em 2019 lembra que a pesquisa equivale a compor um álbum de fotografias da população brasileira. Mas, sem esse levantamento, o Brasil desconhece o Brasil e a educação fica às escuras. Dessa forma, como democratizar o acesso à educação no país, que é um direito constitucional, sem saber onde investir e como planejar ações para os próximos anos? 

Dr. Breynner Oliveira, professor e pesquisador da história da educação.
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Educação precisa ser projeto de nação

“[...] temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades”.

Boaventura de Sousa Santos (Frase extraída do livro “Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural”, 2003).

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Um dos maiores desafios do Brasil é vencer as desigualdades relacionadas à raça, classe e gênero, alicerçadas no imaginário social e cultural da população pelas raízes coloniais do país. Diariamente, essa desigualdade impossibilita que uma parcela da população tenha acesso aos seus direitos básicos, como a educação de qualidade. 

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O país ainda se depara com  problemas crônicos, como pouco investimento no ensino público, analfabetismo, evasão escolar, trabalho infantil e desequilíbrio no acesso ao ensino superior público. E isso se deve, sobretudo, “porque nunca efetivamente o Estado brasileiro assumiu de fato a responsabilidade da  educação do povo, como condição para o seu avanço”, destaca Jaqueline Moll, doutora em Educação e ex-diretora de Currículos e Educação Integral da Secretaria de Educação Básica no Ministério da Educação. 

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A educação fundamenta-se como base de uma estrutura maior da sociedade. Ela gera impactos incalculáveis em um país, seja no combate à desigualdade social, seja na diminuição da violência ou na promoção de direitos básicos, como saúde, moradia e emprego.

Jaqueline Mol, Doutora em educação
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Historicamente, a educação no Brasil esteve marcada pela estratificação social. No contexto de pandemia, com o fechamento das escolas, a educação pública não é pensada como chave para equidade. Como aponta o Dr. Breynner Oliveira, professor e pesquisador da história da educação, “a educação é sensível às questões socioeconômicas". O ensino remoto adotado pelos Estados não foi capaz de assegurar o acesso educacional para crianças e jovens em situação de vulnerabilidade econômica.

 

Conheça a luta histórica da educação no Brasil

O panorama histórico da educação no Brasil é marcado por rupturas. O ensino no país sempre esteve a favor de certos grupos sociais, a fim de preservar o status quo. A luta por uma educação justa, pública, gratuita e de qualidade ainda é recente.

A falta do Censo representa retrocessos

“O Censo do IBGE é ainda mais amplo, mais preciso e traz indicadores que não teríamos em outras pesquisas”, explica Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, ao comparar as demais pesquisas sobre dados educacionais no Brasil, como o Censo escolar e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Elas são usadas complementarmente ao Censo, para que seja possível garantir o monitoramento e a cobrança das políticas públicas educacionais.

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Wasmália Bivar, ex-presidente do IBGE, considera que o debate sobre a educação ficou em plano absolutamente secundário durante a pandemia. “Eu acho que a gente ainda vai pagar um preço bem elevado e o Censo vai ajudar a entender de que maneira isso aconteceu”, aponta Wasmália. A falta do Censo dificulta ainda mais compreender a situação educacional do país neste momento. O IBGE indicou em junho deste ano que o levantamento  tem previsão de ser realizado em 2022. Caso venha a ser realizado, poderá incentivar muitos estudos na área de educação, buscando dimensionar e entender os impactos da pandemia sobre os diferentes níveis educacionais. 

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Em 2014, graças à coleta de dados, foi lançada a Lei nº 13.005, que aprova o Plano Nacional de Educação (PNE). O documento contém 20 metas educacionais e estratégias com o objetivo de planejar a educação brasileira em todos os níveis. Por ser decenal, o PNE ultrapassa diferentes gestões de governo e deveria superar a descontinuidade das políticas públicas a cada mudança de condução político-partidária no Brasil. A Campanha Nacional pelo Direito à Educação monitora o PNE desde que foi aprovado, publicando balanços das metas e mostrando o atual descumprimento do plano. Isso porque as metas do PNE se encontram atualmente estagnadas e algumas sofrem até mesmo retrocessos.

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De acordo com Célia Nunes, professora e pesquisadora da Educação da Universidade Federal de Ouro Preto, no campo educacional é fundamental contar com políticas de Estado e não políticas de governo. “Porque políticas de Estado vão ter uma continuidade e educação se faz a longo prazo”.

Questões políticas, econômicas e problemas crônicos da educação brasileira

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Arte: Kinderlly Brandão

Para Andressa Pellanda, o principal desafio da educação brasileira é o financiamento. Nesse sentido, a meta 20 do PNE, que tipifica sobre o investimento público, é basilar para o cumprimento de todas as outras metas do Plano. Seu principal objetivo é atingir o patamar de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) do país no 5° ano de vigência do PNE (2019) e 10% do PIB em seu último ano de vigência (2024). No entanto, os resultados observados até o momento retrataram relativa estagnação dos gastos, ficando em torno de 5% e 5,5% do PIB em 2017 e 2018, de acordo com o Relatório do 3º ciclo de monitoramento das metas do Plano Nacional de Educação, que é apresentado a cada dois anos para medir a evolução do PNE. 
 

De acordo com Ítalo Dutra, chefe de educação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a falta do Censo deixa o Brasil no prejuízo educacional há pelo menos um ano. “Do nosso ponto de vista, não termos o Censo demográfico é um prejuízo imenso para as intervenções que os governos no nível federal, estadual e municipal precisam fazer para a melhoria de políticas públicas”, observa. 

Como a falta do censo afeta a atuação das escolas e dos alunos

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Fonte: UNICEF/Inep. Arte: Giovanna Giaretta

O investimento em educação pública no Brasil garante que as escolas funcionem de maneira segura e, principalmente, com estruturas necessárias para receber seus alunos. É através das informações do Censo que prefeituras e estados enxergam as demandas necessárias de cada município e região. Durante a pandemia, um tema bastante discutido nas prefeituras é a volta das aulas presenciais em escolas. Com as informações contidas no Censo seria possível monitorar a taxa de natalidade de determinada cidade e, com isso, priorizar melhorias nas escolas para a volta dos alunos às salas de aula. 

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Lara Santos Rocha, professora da rede municipal de São Paulo, destaca a importância dos dados do Censo para a educação, principalmente na pandemia.

Lara Santos Rocha, professora da rede municipal de São Paulo
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Lara Santos Rocha, professora de língua portuguesa da rede municipal de São Paulo na EMEF Pedro Nava.

Os dados são alarmantes quando se fala na estrutura das escolas do Brasil. Segundo o relatório do Programa Conjunto de Monitoramento da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Unicef para Saneamento e Higiene, quatro a cada dez escolas do Brasil (39%) não possuem estrutura básica para a lavagem de mãos. Dados do Censo escolar de 2018 relatam que 49% das escolas brasileiras não possuem acesso à rede pública de esgoto. 

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Lavar as mãos com água e sabão, bem como ter ambientes ventilados nas escolas, são medidas indispensáveis para prevenir a infecção de Covid-19. Em outras regiões do país os dados são ainda mais preocupantes: apenas 19% das escolas públicas do estado do Amazonas têm acesso ao abastecimento de água potável, ao passo em que a média nacional é de 68%, segundo estatísticas da empresa de software de análises estatísticas, JMP.

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Ricardo Koziel, vice-diretor da Escola Classe 15 de Ceilândia (Distrito Federal), salienta que as informações sobre o fluxo migratório e a taxa de natalidade nos municípios são fundamentais para que as escolas aumentem as vagas em pré-escola ou ensino fundamental.

Ricardo Koziel, vice-diretor da Escola Classe 15 de Ceilândia
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Ricardo Koziel, vice-diretor da Escola Classe 15 de Ceilândia (Distrito Federal).

O Censo é a única fonte de referência sobre como vive a população e tem como objetivo criar uma rede para que o governo entenda não só as demandas das escolas, mas a vulnerabilidade das famílias brasileiras. Hoje, as escolas no Brasil oferecem merenda para todos os seus estudantes, conforme determinação da lei nº. 11.947, que tornou a alimentação escolar um direito dos alunos e um dever do Estado. Além disso, o artigo 4o da mesma lei diz que o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é responsável por contribuir para o crescimento e o desenvolvimento biopsicossocial, a aprendizagem, o rendimento escolar e a formação de hábitos alimentares saudáveis dos alunos. No entanto, devido à pandemia, os alunos não puderam se alimentar nas escolas, o que pode ter aumentado a vulnerabilidade das famílias brasileiras, já que o número de pessoas se alimentando exclusivamente em casa cresceu. 

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Na cidade de São Paulo, após tentativas de distribuição dos alimentos da merenda escolar para as famílias, o governo passou a disponibilizar cestas básicas aos alunos. 

Lara Santos Rocha, professora da rede municipal de São Paulo.
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Entretanto, a distribuição das cestas básicas não chega a todos. O Relatório da Missão sobre Violações ao Direito à Alimentação Escolar na Pandemia de Covid-19: Casos do Estado do Rio de Janeiro e do Município de Remanso (Bahia), realizado no segundo semestre de 2020, revelou que a distribuição de cestas de alimentos do PNAE não atendeu a todos os estudantes. Além da má qualidade e irregularidade na distribuição das cestas, a falta de participação social e prestação de contas e a interrupção da compra de alimentos da agricultura familiar são citados no relatório.

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Segundo Mariana Santarelli, relatora da missão, "assegurar a alimentação das crianças e adolescentes mais vulneráveis durante a pandemia deveria ser prioridade para todos os governantes”. Segundo ela, o PNAE é a mais potente ferramenta para o enfrentamento da fome: “Mas há um enorme descaso. Falta coordenação nacional, recursos públicos e vontade política para fazer alimento de qualidade chegar na mesa de quem precisa.”

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Em Remanso, na Bahia, o relatório concluiu que foi distribuída uma cesta básica por família e não por aluno, apenas duas vezes em um período de seis meses, com uma quantidade muito pequena de alimentos. Outro problema identificado é que em muitas escolas rurais a cesta nem chegou a ser distribuída, de acordo com o mesmo relatório.

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Mais uma questão importante é a falta de estrutura para o ensino remoto durante a pandemia. Através do Censo é possível verificar por classe qual a renda mensal das famílias brasileiras. A estudante Stefanny Cristina Cerqueira de Jesus, (15), conta sobre a realidade de alguns colegas que estudam em casa. “Muitas pessoas vieram me perguntar como entrava [na plataforma digital], porque muitos conseguiram, mas outros possuem problemas com a internet. Também não sabiam como acessar a plataforma…”. Para muitos, é difícil acompanhar os estudos, pois não possuem aparelhos eletrônicos e internet. “Eu mesma, quando começaram as aulas on-line, não tinha Wi-Fi, então a minha mãe colocou. Por causa da necessidade realmente de fazer as aulas… mas tem muitos que não têm condição de comprar um notebook, um celular bom, uma internet boa”. 

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Longe das escolas, dos professores e colegas de classe, muitos estudantes perderam a vontade de estudar e o sonho de entrar em uma universidade ficou cada vez mais distante. Exemplo disso é a queda do número de inscritos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), principal porta de acesso dos estudantes ao ensino superior. Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), pouco mais de 4 milhões de estudantes fizeram a inscrição para o Enem em 2021. Esse é o menor número registrado nos últimos 13 anos. Além da falta de estrutura e das consequências sofridas pela pandemia, outro aspecto pode ser levado em consideração: neste ano não houve isenção de inscrição para aqueles que não compareceram ao Enem do ano passado, um recorde de cerca de 3 milhões de abstenções.  

 

Evasão escolar e trabalho infantil é realidade em pleno século XXI

Nos últimos anos, três das metas do PNE estagnaram ou retrocederam, sendo que indicadores das metas 6, 9 e 10 já estavam em situação crítica, mesmo antes da pandemia. A realização do Censo do IBGE e das pesquisas que retratam a educação como o Censo Escolar e a PNAD são importantes para a definição de diversas políticas públicas no Brasil, como a garantia de cotas raciais nas universidades públicas, que fazem parte das políticas afirmativas. As pesquisas e dados coletados em campo mostraram que mais de 50% da população do Brasil é composta por pessoas pretas e pardas que, apesar de serem maioria populacional, são ainda as mais afetadas pela falta de escolaridade e pela baixa renda. As cotas são, então, uma forma de garantir a equidade ao acesso à formação superior. 

Com a pandemia e a suspensão das aulas em caráter presencial, muitas crianças em vulnerabilidade socioeconômica encontraram mais dificuldades para manter os estudos. Segundo Lara, mesmo com políticas públicas para acesso aos dispositivos e internet oferecidos pelo governo do Estado de São Paulo, ainda existem grandes desafios a serem vencidos: "Eles têm uma dificuldade muito grande em entender o conteúdo das disciplinas. A gente fala “ah, a geração tecnológica”. Não é! Os meus alunos não são de uma geração tecnológica! Eles estão tentando se apropriar daquilo ali, o que a gente sabe é entrar no Instagram e no TikTok. Existe toda uma dificuldade no letramento digital, também associada a essa falta de acesso, e de modo geral, uma falta de investimento para poder garantir a possibilidade ao acesso”, afirma. 

 

Estado deve assegurar que crianças e adolescentes estejam nas escolas

Entender sobre o Censo e por que ele é importante é também garantir que os direitos das crianças e adolescentes sejam preservados. Por isso foi criado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990, fruto de uma construção coletiva entre parlamentares, pesquisadores, governos, movimentos sociais e instituições de defesa dos direitos das crianças e adolescentes. Entre as leis que se destacam na proteção de meninas e meninos brasileiros está a Lei da Primeira Infância, que determina ser dever do Estado estabelecer políticas, planos e programas para a primeira infância, visando o desenvolvimento dessa faixa etária.

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Segundo o artigo 53 do Estatuto, a criança tem direito à educação, igualdade de acesso e permanência na escola. O Estado deve assegurar que crianças e adolescentes estejam nas escolas. E qual o papel do Censo quando falamos em Educação e Estatuto da Criança? Ele deve colher informações sobre a renda, a taxa de analfabetismo e a taxa de natalidade do país, dados que permitam planejar estruturas e estratégias para que as escolas e instituições garantam as melhores condições de educação. 

Crianças demonstram através de desenhos a saudade que têm da escola. Fotos: arquivo pessoal

Evasão escolar e trabalho infantil: uma realidade em pleno século XXI 

Professores costumam relatar a evasão escolar e o início dos pré-adolescentes e adolescentes que rumam para o mercado de trabalho a fim de auxiliar no sustento das famílias. Segundo Socorro Nunes, professora do Departamento de Educação da Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ), a perda na educação dessas crianças também representa menos acessos à formação superior pelas populações mais carentes, e a manutenção da pobreza nessas classes. Além disso, as condições precárias e a falta de conhecimento e formação trazem para essas crianças baixas perspectivas de futuro e formação, uma vez que já não conseguem acompanhar outras crianças que desfrutam de tempo qualitativo na escola. Logo, não conseguem se enxergar em espaços, como as universidades públicas, e muitas delas sequer sabem como ingressar nessas instituições  e que o ensino nestes espaços é gratuito. 

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Segundo Andressa Pellanda, os dados oficiais sobre trabalho infantil são subnotificados e a falta do Censo também prejudica esse monitoramento. A saída para estas crianças, segundo Socorro e Ítalo, é a busca ativa escolar, para trazê-las de volta às escolas, além de aplicar um investimento cada vez mais forte em políticas que garantam sua formação.   

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