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Foto: Pierre BEST on Unsplash

Meu corpo, seus padrões?

Como as influências sociais no contexto digital afetam a construção da autoimagem e a relação com o corpo no cotidiano

Repórteres:

Karla Rezende, Lavínia Torres, Marcela Mudadu e Victória Silva e Oliveira

Frente a frente com o espelho, a vilã observa a sua própria imagem. No entanto, pouco importa aquilo que ela vê. “Espelho, espelho meu, existe alguém mais bela do que eu?”, questiona a Rainha Má do famoso conto A Branca de Neve. Desta parte em diante, todos têm conhecimento do que acontece. A personagem é comparada com uma outra figura, ela falha em ser a mais bela e isto é inaceitável. É o seu reflexo que está ali no espelho, porém, parece que ele só se torna verdadeiro diante de uma aprovação, um elogio ou uma confirmação. 
 

Neste ponto, o pensamento que surge é que a autoimagem é mais para o outro do que para si mesmo. As roupas que se veste, o corte de cabelo, um sorriso ou um jeito de se portar. Quantas vezes as pessoas param frente ao espelho para se perguntar “o que vão achar de mim?”. A autoimagem é a percepção do indivíduo sobre si, a forma como cada ser imagina o seu próprio corpo. De acordo com Juliana Faustino, psicóloga especialista em Terapia Cognitivo-comportamental, a autoimagem refere-se a como cada sujeito se vê e enxerga o seu exterior. “O conceito que a gente tem do nosso corpo, de como a gente é, aquilo que a gente vê através do espelho”, explica. Segundo a psicóloga, a sociedade tem papel fundamental na formação dessa percepção do próprio corpo: “A gente se vê de certa forma no outro, o outro nos diz como a gente é, e aí a gente passa a entender a nossa autoimagem a partir daquilo que o outro nos diz. A sociedade nesse sentido tem papel fundamental, uma vez que ela vai estabelecer qual é a imagem ideal, “o que que nós valorizamos”, completa.
 

A autoimagem é desenvolvida de forma individual, mas, também, coletiva. Hoje, o que se percebe é uma sociedade cada vez mais dependente de validação, de curtidas ou likes, principalmente com a ascensão das redes sociais nas últimas décadas. Aos poucos (ou talvez nem tanto) esta linha tênue entre o individual e o coletivo se torna mais desequilibrada e isso faz com que a autoimagem escape mais e mais do controle das pessoas. 
 

Rachel Ferreira Loiola, professora universitária e consultora de imagem, em sua pesquisa de Doutorado desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), defendida em 2014, caracteriza a autoimagem como uma ilustração ou retrato mental. A pesquisadora explica que “a autoimagem corporal refere-se ao (re)conhecimento que fazemos de nós mesmos, sendo a imagem mais realista possível de nossas próprias capacidades, potencialidades, sentimentos, atitudes e ideias”. O reflexo visto no espelho, portanto, carrega mais olhares do que apenas aqueles do sujeito que se vê. Para além da figura refletida, existem diversas influências participando desta composição. 
 

A autoimagem está suscetível aos mais variados estímulos imagéticos que estão espalhados em todos os meios. Das novelas aos filmes, em revistas e jornais ou nas redes sociais, em todos os lugares são propagadas representações de corpos que ocupam um espaço enorme na vida das pessoas. 

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Arte: Karla Rezende

Autoestima e saúde mental

Mais do que um conceito, percepção ou visualização de si, a autoimagem está também ligada à autoestima. Ou melhor, está conectada ao juízo de valor que se atribui a própria imagem. Michele Rodrigues de Oliveira e Jacqueline Simone de Almeida Machado, pesquisadoras da Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ) e autoras do estudo “O insustentável peso da autoimagem: (re)apresentações na sociedade do espetáculo”, ao pesquisarem a relação da construção da autoimagem de adolescentes e a mídia, indicam que as identidades se constituem através da imagem e do consumo. Com base no conhecido livro “Sociedade do Espetáculo”, publicado em 1967 pelo escritor francês Guy Debord, as autoras explicam que “na sociedade de consumo há uma espetacularização da vida, de tendências fluidas, que traz como consequência a alienação e a redução do sujeito à imagem”.

 

Em uma sociedade onde a imagem tem grande importância, existe a tendência de se buscar aquilo que está estabelecido como padrão. Não é à toa a dedicação contemporânea por um corpo ideal como uma realização pessoal. Alcançar ou não os padrões corporais é sinônimo de sucesso ou fracasso. 

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Infografia: Marcela Mudadu

A psicóloga Juliana explica o porquê dessa necessidade de estar dentro dos padrões e sua relação com a autoestima: “com certeza as pessoas vão buscar se encaixar nesses moldes pré-estabelecidos com o intuito de se sentirem pertencentes, se sentirem valorizadas”, salienta. É neste processo que o sujeito se coloca em estado constante de comparação com as representações que o acompanham. Na pesquisa de Michele e Jacqueline, após ouvirem 13 adolescentes entre 15 e 18 anos da rede pública de ensino no oeste de Minas Gerais, em 2021, foi possível perceber um frequente descontentamento com a aparência física: “Os adolescentes que colaboraram com a pesquisa, se percebem imersos em cobranças que perpassam os padrões sociais, midiáticos e a própria autocobrança, nesse sentido estão constantemente insatisfeitos, principalmente, fisicamente”, relatam.

Em entrevista concedida em 2015 para o canal da Univesp TV, Denise Bernuzzi Sant’anna, historiadora e autora do livro "História da Beleza no Brasil", publicado em 2014, sintetiza as mudanças de padrões e cuidados com o corpo no país. Conforme explica, algumas formas de padrões são frequentemente acionadas em distintas épocas, como por exemplo, a busca pela juventude. Procedimentos e técnicas para esconder as rugas ou os fios brancos podem ser percebidos ao longo das décadas.

Outro ponto interessante das padronizações de corpos no Brasil é o entendimento de que existe uma disputa nestas representações. De acordo com a autora, não existem momentos específicos no tempo que indiquem uma valorização completa do corpo magro ou corpo gordo, contudo é importante refletir sobre o desequilíbrio entre essas imagens. Sant’anna também indica que na atualidade, as pessoas têm mais possibilidades de ver o próprio corpo do que antigamente. Não somente através do espelho como também a partir da tecnologia. Sobre a beleza, a autora destaca que "há uma liberdade e um padrão ao mesmo tempo", finaliza.

Linha do tempo: Marcela Mudadu e Karla Rezende

A luta constante para alcançar os padrões de beleza, a necessidade de pertencimento e o medo de “fracassar”, juntos podem levar a uma  enorme frustração, capaz de acarretar transtornos. Conforme explica Juliana, os impactos negativos na saúde mental são enormes e as pessoas estão buscando preencher algo dentro delas através do exterior. Ao falar sobre jovens mulheres, a situação é um pouco mais grave. Em sua experiência de atendimento, a psicóloga Juliana pôde identificar que as adolescentes são as mais afetadas quando o assunto é autoestima: “Sem dúvidas surgem muitas adolescentes com problemas na autoimagem, muitas adolescentes com transtornos alimentares devido essa busca frenética do corpo perfeito, porque adolescentes são aquela parte da sociedade que justamente busca muito ser incluídas socialmente”, relata. 

Infografia: Marcela Mudadu 

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Como agravante dessa situação, há a influência e a afetação que esses padrões estéticos tão fortes e tão definidos têm na vida de meninas e mulheres negras. De acordo com Francielle de Souza, jornalista e pesquisadora em Comunicação, esse padrão ideal não é apenas estético. “O ideal do corpo perfeito nunca é sobre características puramente estéticas, físicas, fenotípicas. Ele também diz daquilo que a gente entende, de como a gente lê esse corpo na sociedade”, analisa.

 

Além disso, segundo a pesquisadora, essas mulheres encontram dificuldade em criar referências como pessoas negras: “uma pessoa negra, sobretudo no Brasil, mas também em outros lugares do mundo, tem dificuldade de criar referências. A gente diz que o racismo  alimentado por um sistema colonial, fragmenta a identidade da pessoa negra. Muitas vezes ela não tem referências naquilo que ela pode ser. Porque aquilo que ela é já é delegado exteriormente a ela, né? Então a questão da representatividade é muito maior”. Francielle também conta que tudo isso influencia a autoestima da mulher negra, no sentido em que se cresce imaginando que ser negro é ruim.

Artes: Marcela Mudadu e Victoria Silva e Oliveira

Francielle de Souza | Jornalista e pesquisadora em Comunicação
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Essa ausência de referências, tão impactante na construção da autoimagem das meninas pretas, também aparece no contexto digital. As plataformas online também vêm para acionar uma série de questões que afloram a autoestima e a forma com que as mulheres são representadas online.

Impacto das redes sociais

As redes sociais digitais refletem hoje, de diferentes modos, o comportamento das pessoas. São pequenas janelas da realidade, trechos, ângulos e cliques que os usuários escolhem dividir e consumir. Diferente dos filmes, séries, revistas e novelas, a promessa das redes é a de conteúdo não-ficcional e compartilhamento do cotidiano. Mas, não funciona bem assim. Seleção, edição, filtros e legendas, tudo isso pode fazer parte de uma única foto postada no Instagram. Imagens de modelos ideais, propagadas pelos meios midiáticos, e principalmente pelas redes sociais, atuam em uma lógica de imposição que impulsiona a busca por pertencimento. Mesmo que isso signifique  “maquiar” o real.

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Iara Lima, estudante, e Janaina Ferreira, estudante e consultora de vendas, relatam o efeito dos padrões estéticos.

Guacira Lopes Louro, historiadora brasileira e autora do ensaio “Pedagogias da Sexualidade”, publicado em 1999 na obra “O Corpo Educado”, afirma que “de acordo com as mais diversas imposições culturais, nós os construímos [corpo] de modo a adequá-los aos critérios estéticos, higiênicos, morais, dos grupos a que pertencemos”. Os filtros do Instagram, lançados em 2017, por exemplo, reforçam, na maioria das vezes, padrões estéticos já estabelecidos, e oferecem funções capazes de modificar rostos e corpos. 

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Infografia: Marcela Mudadu

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Daniela Carvalho (nome fictício), técnica em química, relata o efeito dos padrões estéticos.

Em junho de 2021, o professor e ex-participante do reality show Big Brother Brasil, João Luíz Pedrosa chamou atenção ao denunciar racismo nos filtros. Sua percepção não foi apenas uma opinião, é fato. Pesquisas, como as reunidas no documentário “Como os algoritmos espalham racismo e desigualdade de gênero”, lançado neste mesmo ano pela UOL, indicam que as ferramentas de criação de filtros reproduzem o racismo, seja afinando traços, alterando o tom da pele, ou não reconhecendo rostos e cabelos. É preciso lembrar que essa inteligência artificial  é gerada por algoritmos, a partir de uma base de dados. Essa base é construída por pessoas, submetidas a essa hierarquia racista que retroalimentam.

 

Entre novembro de 2018 e março de 2019, a organização brasileira Olabi produziu um levantamento chamado PretaLab, iniciativa que discutiu a pertinência de incluir mais mulheres negras na inovação e na tecnologia. A pesquisa analisou dados sobre o perfil dos profissionais de tecnologia no Brasil e concluiu que as pessoas que trabalham na área são, majoritariamente: homens, brancos, jovens de classe socioeconômica média e alta que começaram a sua trajetória nos centros formais de ensino. Vale lembrar que tanto o Instagram como o TikTok e o Twitter já foram alvos de discussões sobre o uso de algoritmos ou filtros racistas nos últimos dois anos. Esse algoritmo pode ser responsável também pela maior entrega de conteúdos de pessoas brancas, hipótese difundida por usuários da plataforma e por pesquisadores que vêm estudando o caso . 

 

Um estudo recente realizado por pesquisadores dos Estados Unidos, da Universidade Carnegie Mellon e da Universidade George Washington, concluiu que os sistemas de inteligência artificial incorporam preconceitos sociais. No caso do machismo, os sistemas eram mais propensos a gerar imagens de mulheres usando biquínis ou decotes, enquanto criavam imagens de homens em trajes formais. 

 

Mesmo que os algoritmos de bancos de imagens privilegiem a nudez feminina, no Instagram, quando a nudez vem de mulheres gordas, ela não parece ser tão bem-vinda assim. Polly Oliveira, escritora e criadora de conteúdo, decidiu realizar um experimento, depois de ter sua conta do Instagram banida algumas vezes. Em 2021, ela se transformou em personagens, através de filtros, edições e escolha de conteúdo dos vídeos e legendas, e viu seus números de alcance aumentarem significativamente. Em um dos testes, reproduziu um vídeo da influenciadora Mayra Cardi, em que ela aparecia nua, de lado, mostrando sua barriga. Apesar do sucesso do vídeo de Mayra, sua reprodução por Polly foi excluída da rede social  e sua conta foi banida no dia seguinte, segundo seu relato para o Mídia Ninja. 

 

Willian Fernandes Araújo, professor da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) e pesquisador de plataformas digitais e algoritmos, acredita que os padrões estéticos, no geral, são construídos pelos meios de comunicação, que contribuem para sua moldagem. Os algoritmos, que buscam gerar relevância, são a alma do negócio, segundo Willian. Eles são a lógica que vai definir o que é relevante online. “Não é um programador especificamente escrevendo um código, são centenas de milhares, até bilhões, de dados de parâmetros, colocados dentro de um processo maquínico que vai avaliar e procurar padrões pra definir o que é relevante. Esses sistemas são bastante usados porque eles têm a capacidade de nos fazer permanecer mais tempo dentro das plataformas”, explica. 

Willian Fernandes Araújo | Professor e pesquisador de plataformas digitais e algoritmos
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Engana-se quem pensa que o Instagram não está ciente da capacidade danosa que tem e nas afetações que seu conteúdo pode gerar à vida dos usuários. É o que afirmou Frances Haugen, ex-funcionária da empresa Meta (antes conhecida como Facebook), responsável pelo gerenciamento da plataforma. A especialista em gerenciamento algorítmico de produtos foi responsável por um vazamento de documentos ao Wall Street Journal em outubro de 2021, que publicou uma pesquisa interna da Meta, mostrando como o Instagram estava impactando a saúde mental dos adolescentes. A rede social não compartilhou essa informação nem mesmo buscou soluções para erradicar ou ao menos amenizar o problema.

 

De acordo com o jornal, “32% das adolescentes entrevistadas [na pesquisa realizada pelo Facebook] disseram que quando se sentiam mal com os seus corpos, o Instagram as fazia sentir pior”. Frances Haugen também afirmou que os executivos do Facebook priorizam o lucro à segurança de seus usuários e que, mesmo existindo maneiras de tornar Facebook e o Instagram mais seguros, não o fazem. 

 

Em meio a esse escândalo, dados ainda mais alarmantes foram descobertos pelo jornal The New York Times. Enquanto repercutiam internamente os impactos do Instagram na saúde mental dos adolescentes, a empresa ao mesmo tempo também focava em grandes estratégias de marketing para atrair este mesmo público ao aplicativo. Desde 2018, a plataforma destinava quase todo o seu orçamento anual de marketing global para atingir adolescentes, segundo a matéria.

 

O pesquisador Willian concorda com as afirmações de Haugen, e afirma que as empresas são conscientes desse dano, e que já têm dados que deveriam fazê-las tomar alguma ação em relação a isso.

Willian Fernandes Araújo | Professor e pesquisador de plataformas digitais e algoritmos
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Influenciadores e disputas de corpos

Como o nome indica, os influenciadores digitais compartilham nas redes sociais o seu cotidiano e influenciam os milhares de seguidores que os acompanham. A ideia é que eles apresentem sua realidade de forma aberta, próxima aos seguidores e “sem filtros”- não aqueles de edição de imagem, mas sim sem filtrar os conteúdos do seu dia a dia. Sua principal categoria de publicações é o lifestyle.

 

Os corpos extremamente magros e definidos, a pele sem manchas e marcas de expressão, o cabelo grande, liso e alinhado - muitas vezes tratado e modificado em estabelecimentos profissionais, como clínicas de estética e cirurgiões plásticos - são atribuídos, de certa forma, aos produtos utilizados pelos influenciadores, justamente os que pagam pela publicidade. De maneira desmedida, sem cálculo de riscos, os influenciadores transmitem a imagem de uma falsa solução rápida e fácil para a insatisfação com os corpos e cabelos que não correspondem aos padrões.

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Júlia Pires, estudante, relata o efeito das influências digitais em sua autoimagem.

A maioria dos grandes influenciadores brasileiros estão justamente dentro dos padrões vigentes, se considerarmos as 50 contas mais seguidas do Brasil. 

Infografia: Victoria Silva e Oliveira

Entretanto, em meio a influencers que seguem padrões estéticos, surgiram também aqueles que pretendem mostrar seus corpos fora dos ditos padrões e com outras características, corpos reais dispostos que ocupam espaço de representatividade e levantam discussões sobre a autoestima. 

Edição: Karla Rezende

O movimento body positive, que se popularizou junto à onda feminista na década de 1960, desafia as noções do corpo magro ser o único a ser exaltado como bonito, buscando a aceitação das diferentes formas e tamanhos. Os influencers e seguidores que aderem a esse movimento levantam um debate sobre a aceitação e a valorização do corpo sem a necessidade de se enquadrar em um padrão. A relação direta estabelecida por meios midiáticos e publicitários entre peso e saúde também é um dos estereótipos que o movimento body positive busca quebrar. Mulheres usam suas postagens para falar de beleza, saúde, moda, negócios, maternidade e conseguem alcançar um público que se inspira nas imagens e palavras para o fortalecimento da autoestima. 

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Daniela Carvalho (nome fictício), técnica em química, relata sua relação com a autoimagem.

Outras contas que têm ganhado destaque no Instagram, são as de mulheres pretas. Influenciadoras negras têm conquistado cada vez mais espaço e seguidores abordando as temáticas da beleza, da saúde, da moda e do autocuidado. Num movimento de recuperação da autoestima do povo preto, não apenas a valorização de seus traços naturais é abordada, como também expressões estéticas e culturais por meio da roupa, do cabelo, da maquiagem e também da música, das religiões, da arte de um modo geral.

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Camila Almeida, estudante de letras, relata sua relação com a autoimagem.

Das redes para o cotidiano

Mesmo sendo positivo e importante o crescimento de influencers que desafiam os padrões estéticos vigentes e apontam para reflexões e discussões sobre o tema, é preciso ressaltar que esses padrões ultrapassam muito os centímetros dos dispositivos digitais. Eles afetam o cotidiano das mulheres em outras esferas da vida, como os relacionamentos, o trabalho, a educação.

A jornalista e pesquisadora Francielle afirma que a representação de mulheres negras nos meios de comunicação, em filmes e revistas tem crescido, mas que “é preciso analisar como elas aparecem, que sentidos são postos nesses produtos midiáticos”. Muitas vezes, essas mulheres são colocadas na condição de representações carregadas de estereótipos.

Francielle de Souza | Jornalista e pesquisadora em Comunicação
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E quando existe alguma referência online, ela sempre vai estar condicionada a um nicho. Segundo Francielle, “muitas influencers são influencers de beleza, ponto. E aí a influencer negra é influencer de beleza, de maquiagem para pele negra”.

Francielle de Souza | Jornalista e pesquisadora em Comunicação
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Voltando às redes sociais, os mesmos comentários gordofóbicos que aparecem nas páginas de influencers não-magras, relatados em suas publicações, também são ditos em entrevistas de emprego e até em consultórios e hospitais, na chamada “gordofobia médica”.  Muito além do fator estético, a gordofobia interfere na existência de mulheres gordas de diferentes formas.

 

No caso da gordofobia médica, o termo pode ser entendido como uma inibição dos direitos das pessoas gordas ao cuidado profissional devido ao preconceito pelo peso. Em 2013, a obesidade foi classificada como uma doença pela American Medical Association, outras entidades como a OMS também seguiram esta mesma consideração. Importante ressaltar que a obesidade não é determinada apenas pelo peso, mas sim pelo Índice de Massa Corporal aliado a outros exames muito específicos. O corpo gordo não deveria estar necessariamente ligado à ausência de saúde, e o atendimento médico de qualidade é direito de todos. Apesar disso, esse tipo de preconceito é comum, e traz consequências à própria saúde física, naturalmente, mas também à saúde mental e à autoestima. 

 

Dayana Barboza, jornalista e doutoranda em Comunicação que pesquisa mulheres gordas na mídia e celebridades gordas, explica que a gordofobia médica impede que problemas mais sérios de saúde sejam investigados da forma correta: “a gente tem vários relatos de pessoas que estavam com problemas sérios como câncer, só que aquilo não era investigado, porque o médico só olha pra você como pessoa gorda. Então, todos os seus problemas serão resolvidos se você emagrecer.”

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Infografia: Marcela Mudadu

Os reflexos de uma vida sujeita a comentários gordofóbicos são mulheres com baixa autoestima, que muitas vezes recorrem ao humor depreciativo, esconder o corpo com as roupas, dietas "milagrosas". Em alguns casos são indicadas a passarem por uma  cirurgia bariátrica, e apesar dos possíveis benefícios para a saúde do paciente, as adaptações a autoimagem corporal pós cirurgia e as expectativas em torno do corpo podem ser perigosas. Dayana conta que, muitas vezes, esses procedimentos são realizados apenas pela estética, e por uma vontade de se encaixar nos padrões de beleza, e que não se fala tanto sobre as consequências por trás da cirurgia.

Dayana Barboza | Jornalista e doutoranda em Comunicação
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Embora existam desafios de acesso e oportunidades a quem esteja fora do padrão vigente, dentro e fora da internet, há quem lute por isso de muitas maneiras. A partir da resistência nas redes sociais, como já visto, mas também em outros espaços, em empresas e agências brasileiras, como a Black Influence, Geledés, PretaLab e Transempregos. Ter um ambiente diverso não é só uma forma de colocar uma empresa ou instituição em alta, mas também de construir um ambiente inclusivo e plural, que pregue pela equidade. 

Artes: Marcela Mudadu e Victoria Silva e Oliveira

Em uma das principais premiações da indústria de comunicação e publicidade no Brasil, o Prêmio Caboré, que aconteceu em dezembro de 2021, Samanta Silva Almeida, diretora da área de Criação de Conteúdo dos Estúdios Globo desde outubro, venceu na categoria “Profissional de Inovação”. Mulher negra nascida e criada  na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, Samantha se consagra como um dos maiores nomes ligados à inovação e diversidade no país, numa trajetória marcada por trabalhos relacionados a temas como equidade de gênero e debates raciais.  "Inovação passa não somente por construir produtos e serviços, mas passa por pensar o mundo a partir de novas perspectivas, onde caiba todo mundo nele”, afirmou ao receber o troféu.

 

Gabriela Rodrigues, Técnica em Eletrônica, graduada em Publicidade e Propaganda, com pós em Neurociência, foi a outra mulher negra premiada, na categoria “Profissional de Planejamento”. No Instagram comemorou com fotos: "Pra registrar que teve negra e sapatão no palco.” A premiação, que reconheceu como vencedoras, pela primeira vez, duas mulheres negras, entre 14 categorias, reflete a realidade: um sopro de esperança para transformações no futuro, mas muito a se trabalhar no presente. 

 

Nas redes sociais, novos influenciadores, artistas e produtores de conteúdo, vão construindo seu público e levantando discussões sobre os corpos marginalizados, seja dentro ou fora delas, ocupando um espaço de resistência e de representatividade para os milhares de seguidores, ainda que a própria plataforma, em como as estruturas sociais vigentes, sejam grandes e resistentes barreiras, que dificultam a quebra dos padrões estéticos e dos estereótipos carregados de machismo, racismo e gordofobia. A presença dessas mulheres nos espaços de destaque na mídia e nas redes sociais principalmente, não descarta a necessidade de políticas públicas e de direitos assegurados a esses grupos para uma verdadeira transformação estrutural. É necessário compreender estas disputas de narrativas e de visibilidade, e a importância da resistência de corpos fora dos padrões para a construção da autoestima de tantas outras mulheres e meninas em suas casas, frente aos seus espelhos. 

Essa reportagem também recolheu músicas de suas entrevistadas e das repórteres da Curinga para a criação da playlist “Partilhando Autoestima”. As canções são  indicações que fazem parte do momento de autocuidado e bem-estar de cada uma delas.

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