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Saúde

Nos anos seguintes ao rompimento, foram observados inúmeros danos à saúde dos atingidos, especialmente no âmbito da saúde mental, como aponta a Pesquisa sobre a Saúde Mental das Famílias Atingidas pelo Rompimento da Barragem do Fundão em Mariana (Prismma), realizada em 2018.

A porcentagem de atingidos com sintomas depressivos foi de 28,9%, quase o triplo da taxa nacional de 10,2%. O quadro de ansiedade também atingiu patamares semelhantes, com 32% dos atingidos apresentando diagnóstico de Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), contra 9,3% na população geral.

O Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) teve um aumento expressivo, com 12% dos atingidos apresentando o transtorno, número sete vezes maior que os índices nacionais. 

Os índices elevados de depressão e ansiedade contribuem para uma prevalência maior de comportamento associado ao suicídio, sendo apontadas taxas acima da média de risco de suicídio (16,4%) e tentativas de suicídio (7,1%).

Esses transtornos estão ligados a situações estressantes. Neste caso, o estresse pode ter sido causado pelo trauma imediato do rompimento, pela perda do lar e dos territórios, além das hostilidade e dificuldades no processo de readaptação e inserção socioeconômica em Mariana.

O índice de sintomas de Transtorno do Estresse Pós-Traumático foi significativo em crianças (82%). Além de enfrentar a perda do território, elas também tiveram o processo educacional afetado pelo crime e pelo preconceito.

"É mais fácil, em termos de tratamento, trabalhar um veterano de guerra do que uma pessoa atingida. Você está na guerra e você se distancia. Você sai e você sabe quem é o agressor e quem te defende. No caso do rompimento, o causador da tragédia é quem precisa te defender agora” - Daniel Gabarra, psicólogo.

Além das condições naturais de vulnerabilidade, muitas crianças enfrentaram sintomas pós-traumáticos como esquiva e isolamento social, hiperexcitabilidade – quando o corpo e a mente reagem de forma exagerada a estímulos comuns – psíquica e psicomotora, flashbacks, pesadelos e reexperiência traumática, o que compromete o desenvolvimento, deixando cicatrizes emocionais, dificuldades e traumas que podem se estender por toda a vida.

 “Essas crianças estão virando adultos com essas questões, no seu subjetivo, na sua mente. Perderam aquele ambiente rural que eles viviam, de um distrito pacato, tranquilo. Elas vieram para um centro urbano, foram inseridas nas escolas urbanas de Mariana, e começaram a ser chamados de filhos de interesseiros, pés de lama, pés de barro, os sujos” - Kathiuça Bertollo, professora da Ufop.

O bullying e as agressões são prejudiciais para o desenvolvimento de crianças e adolescentes, e podem causar problemas a longo prazo em relação à autoestima, relação interpessoal, comunicação e desenvolvimento de transtornos. 

Somado à experiência traumática e a violência institucional e direcionado às vítimas enquanto atingidos, o bullying também pode reviver os traumas. Nesses casos, os danos à saúde mental podem ser agravados, além de atrapalhar a eficácia dos métodos terapêuticos.

Efeitos da contaminação

Além das questões que envolvem a saúde mental, a contaminação foi um outro grande vetor de danos à saúde dos atingidos, atingindo o solo, o ar e a água de toda a Bacia do Rio Doce.

A tese de doutorado defendida por Camila da Silveira Santos em 2023, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), aponta que o município de Barra Longa, vizinho de Mariana e diretamente atingido pela lama, foi um dos principais prejudicados em relação à saúde ocasionados pelo desastre-crime.


O rompimento despejou milhares de toneladas de metais tóxicos como cádmio, chumbo, níquel, cobre e zinco nas águas da região, contaminando o Rio Doce e criando uma poeira tóxica, contaminando as vias áereas da população.

Barra Longa (MG) apresentou um aumento nas Infecções de Vias Aéreas Superiores (IVAS). O índice apontou, apenas nos primeiros seis meses de 2016, ano seguinte ao rompimento, o equivalente a 160% de todos casos do ano anterior inteiro. Nos anos subsequentes, Barra Longa seguiu com taxas acima da média de IVAS.

O estudo da Análise Qualitativa sobre a Saúde dos Municípios Mineiros de Barra Longa, Santa Cruz do Escalvado, Rio Doce e Ponte Nova (Distrito Chopotó), realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em 2021.

Essa pesquisa faz parte do Projeto Rio Doce, também da FGV, e indica um grande aumento nos diagnósticos de doenças de todos os tipos em comparação aos anos anteriores ao rompimento, com destaque para as doenças do trato gastrointestinal, particularmente vulneráveis ao uso de água imprópria para o consumo.

De acordo com o estudo, doenças como conjuntivites, dermatites e reações alérgicas também tiveram aumentos consideráveis, assim como doenças do trato respiratório e as doenças psicológicas.

A pesquisa da FGV também aponta que os impactos do rompimento da barragem se estenderam aos mais de 45 municípios da bacia do Rio Doce atingidos pelo rompimento, além dos aumentos significativos na incidência de problemas de saúde por toda a bacia.

As taxas de insuficiência cardíaca hipertensiva aumentaram em 68% no mesmo período em que a taxa nacional estava diminuindo. Também foram visíveis aumentos acima da média na incidência de tumores (cresceu em 40%), de doenças oculares e auriculares (cresceu em 45%) e das doenças parasitárias (cresceu em 60%) e alguns casos se destacaram pela grande variação, como nas doenças nervosas, que variaram de um aumento de 1,6 a 84 vezes o número de casos.

Com o aumento da incidência dessas doenças, houve uma redução estimada de 2,39 anos de vida nos habitantes dos municípios atingidos, calculada através do indicador DALY (Disability Adjusted Life Years - Anos de Vida Ajustados por Incapacidade, em tradução livre), que verifica mudanças nos padrões de adoecimento e mortalidade de uma determinada região.

Anahí Santos, Júlia Martins, Maria Eduarda Marques e Maria Teresa Carvalho

Agosto de 2025

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Laboratório Integrado II: Grande Reportagem Multiplataforma, elaborado por estudantes do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto.

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