Foto: Sabrina Pereira
Apesar das dificuldades, Caio Duarte pretende concluir o curso de Jornalismo. Sua motivação é seu crescimento pessoal e sua família / Foto: Paula Teodoro
Além dos motivos que fazem um aluno permanecer na cadeira da universidade, o que ele deixa como legado também é permanência. Das individualidades de cada um, cada estudante cotista deixa um pouco de si e de suas vivências pré-acadêmicas. Para além de materiais, artigos e pesquisas, os debates provocados dentro e fora dos muros, agem como o começo das mudanças que desejam assistir na academia. Pensando no que deixou e deixará de seu na Ufop, Aline conta que pessoas como ela contribuem muito para os debates raciais, de gênero e de classes, já que em sua visão, “a universidade é muito elitista”. Nas diferenças de experiência vividas, Aline acredita agregar, rompendo bolhas sociais.
Diante das dificuldades, os personagens dentro da universidade estabelecem vínculos familiares e institucionais. Aline, Caio, Fabricio, Julia e Lucas permanecem apesar dos obstáculos impostos por um sistema que insiste em excluir seus corpos e suas identidades. Do latim permanere, permanecer significa ficar firme. Ser e resistir.
Dificuldades de permanência na universidade acentuam desigualdades entre estudantes e são um dos fatores responsáveis pela evasão na graduação brasileira
Alice Demuner, Isabela Vilela, Paula Teodoro, Pedro Mol e Sabrina Pereira
Junho 2022
Do latim permanere, permanecer significa: continuar, aguentar, se manter firme, ficar até o fim. No mundo acadêmico, ainda que garantias constitucionais proporcionem o acesso ao ensino superior gratuito por sujeitos de diferentes nichos sociais, como através da Lei de Cotas, de 2012, suas permanências podem não ser asseguradas. Os dados demonstram que a conquista do diploma não é somente pela entrada na Universidade. No último Censo de Educação Superior, publicado em 2020, o quantitativo de estudantes que terminaram o ensino superior na graduação pública teve diminuição de 18,8% em relação ao ano anterior, segundo dados do Centro de Educação Superior do Instituto Nacional de Ensino e Pesquisa (Inep). Dentre os motivos, estão a pandemia de COVID-19, a dificuldade de adaptação com o ensino remoto, além de questões econômicas, psicológicas e sociais. Porém, o número não chega a ser o maior já alcançado na última década. Em 2017, por exemplo, 2 a cada 10 alunos (19,9%) que entraram nas universidades públicas evadiram.
As dificuldades postas para fazer valer o direito à permanência dentro das universidades, ou seja, o direito às condições básicas para que um estudante consiga terminar seus estudos, tais como o local adequado de moradia, alimentação de qualidade, transporte, saúde e lazer, espelham os obstáculos enfrentados ainda fora dos muros. Em certos contextos, a permanência se vê precedida, inclusive, por lacunas em relação ao próprio direito de acesso à universidade. Esse foi o caso vivido por Julia Mofati, 25, estudante de Educação Física da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
Deficiente monocular do olho esquerdo, Júlia ingressou na graduação através do sistema de cotas, precisando apresentar laudo médico, além de passar pela avaliação de um médico para comprovar sua condição. Porém, ainda que a visão monocular fosse considerada deficiência, possuindo vagas reservadas na prestação de concursos públicos, desde a Lei nº 12.711 de 2012, a jurisdição não se aplicava à inserção no ensino superior: “Naquele determinado momento no Brasil, a gente tinha, em vários estados brasileiros, o não reconhecimento do monocular como defiencite visual”, conta Júlia, sobre sua reprovação enquanto pessoa com deficiência, em um primeiro momento. Foi somente em março de 2021 com a sanção da lei em âmbito federal, que deficientes monoculares passaram a ser englobados nas reservas de vagas da Lei de Cotas.
Outra dificuldade que se apresenta antes mesmo do ato de se estabelecer, e que afeta em especial os estudantes cotistas, são as longas distâncias entre a universidade em que ingressa e a cidade natal. Desde 2010, com o funcionamento do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), alunos de todo o Brasil podiam se candidatar, através da internet, às vagas de qualquer região do país. Apesar do avanço, problemas econômicos e de deslocamento tornam-se obstáculos até mesmo para a efetivação da matrícula dos aprovados. É o que relata Fabrício Igbó, 25, afro-indígena e estudante de Jornalismo pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Nascido em Macapá, capital do Amapá, ele conta como atravessou, em 2016, cerca de quatro mil quilômetros para chegar até seu campus, em Mariana: “Antes de eu vir pra cá, eu passei na sétima chamada, então eu tive 4 dias pra arrumar tudo. E isso inclui a passagem, despedir das pessoas e todo o processo. E eu fui conseguir a passagem no penúltimo dia. Eram 4 dias pra chegar e fazer matrícula! Então no quarto dia, era meu último dia de fazer matrícula. Aí, consegui, fiz uma vaquinha, entre amigos meus e tal, aí levantei a grana”. Se não fosse a passagem de avião, Fabricio levaria até quatro dias de ônibus e um dia de barco para chegar a seu destino.
Se a entrada de milhares de brasileiros à universidade pública ainda encontra lacunas jurídicas, como a classificação das deficiências abarcadas pela lei ou mesmo os mecanismos de auto e hetero identificação racial, quais são as garantias para a formação integralizada de cada um desses sujeitos? Embora o acesso à educação seja previsto na Constituição Brasileira de 1988, ao incorporar os preceitos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, não há nada evidente acerca do direito à permanência dos estudantes de modo geral. Mesmo com leis e projetos específicos, como a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, de 2008, que garante a inclusão de pessoas com deficiência (PcD) ao ambiente escolar, muitas políticas de acolhimento e permanência existentes parecem não dar conta de todas as individualidades.
Quando já inserido no ensino superior, outro fator que ameaça a manutenção desses direitos são os desmontes sofridos pelas universidades públicas, através de cortes e congelamentos de gastos na educação, como é o caso da conhecida PEC 241 (ou PEC 55) de 2016, o que afeta políticas de assistência estudantil como um todo.
A QUEM PERTENCE O DIREITO AO FUTURO?
Corredores vazios trazem remetem à evasão ocasionada pela falta de assistência /
Foto: Sabrina Pereira
Garantias e obstáculos
Em muitas instituições, as adversidades que influenciam negativamente na permanência dos alunos são temas de estudos que visam entender e criar mecanismos de superação. Em estudo publicado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em 2016, por exemplo, 225 estudantes foram entrevistados para relatar as causas de sua evasão, de retenção em disciplinas e de frequência. Para 54,1% dos alunos, as dificuldades econômicas são os principais motivos para que percam o rendimento dos estudos durante a graduação. Quando aplicadas as mesmas variáveis desta pesquisa em outras universidades, os resultados se aproximam. Em sua pesquisa de Mestrado, concluída em 2019, o cientista econômico Tiago Medina Chagas fez uma análise da evasão na graduação de uma das maiores e mais renomadas universidades brasileiras, a Universidade de Brasília (UnB), na qual observou que o fatores socioeconômicos, o não acompanhamento do ritmo de estudos e a distância da residência até o local de aula são as principais motivações para a saída de estudantes de seus cursos, e até mesmo da instituição.
Neste cenário, uma importante conquista é o Plano Nacional de Assistência Estudantil, de 2010, que, segundo o advogado e professor da Ufop, Bruno Camilloto, tem como um de seus objetivos “democratizar as condições de acesso e permanência de jovens na educação superior pública federal, contribuindo para a promoção da inclusão social pela educação”. Apesar disso, como explica Camilloto, devido à natureza de sua jurisdição, o decreto de lei pode ser suspenso ou revisado a qualquer momento pelo Presidente da República, não havendo garantias de sua manutenção. Outro ponto de atenção é o investimento federal em relação à promoção de moradias estudantis, restaurantes universitários, bolsas alimentação, Núcleos de Educação Inclusiva e demais ações que visam auxiliar a permanência, que ainda são insuficientes frente às necessidades dos estudantes.
Bruno Camilloto, professor de Direito da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop)
Com os recorrentes cortes orçamentários sofridos na educação superior, a distribuição de bolsas, que visa a permanência dos estudantes, não contempla todos os alunos em situação de fragilidade econômica e social, nem mesmo os estudantes cotistas cuja vulnerabilidade foi posta antes mesmo da inserção na universidade. Por isso, o processo de distribuição de bolsas acontece, em geral, a partir de um sistema de pontuação, que classifica estudantes com maior ou menor vulnerabilidade econômica. Na Ufop, estudantes são classificados pela Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários e Estudantis (Prace) em categorias de vulnerabilidade, a partir das quais a porcentagem referente ao pagamento das bolsas se dá proporcionalmente. Por exemplo, um estudante classificado como prioridade A recebe integralmente o auxílio permanência; já um estudante da modalidade B recebe 75% do valor da bolsa. No caso de um auxílio no valor de R$400, o estudante da modalidade A receberia R$400,00 e o da modalidade B, R$300,00. Outras modalidades de bolsas são ofertadas a partir do desempenho acadêmico dos estudantes, que precisam atingir um coeficiente de rendimento semestral mínimo preestabelecido para o recebimento e a manutenção dos auxílios.
Outras instituições adotam mecanismos próprios para diminuir o impacto econômico sobre os alunos. É o que conta a professora Márcia Pletsch sobre o contexto da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), onde leciona. Segundo ela, há programas e bolsas de permanência específicos para determinados públicos, que têm contribuído para que alunos em vulnerabilidade econômica prossigam com os estudos. “Temos um programa chamado Auxílio Acessibilidade, no valor de R$400,00 reais mensais, que é um auxílio cumulativo com outros auxílios do programa de assistência estudantil. Temos também o Auxílio de Tecnologia Assistiva, que é uma cota única, que vai de R$1.500,00 à R$1.700,00 por aluno, quando ele ingressa na universidade”, diz Márcia.
Apesar do valor pago por essas bolsas estar essencialmente ligado à sobrevivência econômica dos estudantes, muitos desses auxílios não sofrem reajustes de acordo com a inflação anual. Como conta o estudante Fabrício, a bolsa permanência que recebe tem o mesmo valor desde que ingressou na universidade: “A inflação cresce, as coisas mudam, os preços mudam e não há um reajuste. Isso tanto para a graduação, como para a pós-graduação também”.
Fabrício Igbó, artista multimídia afro-indígena, graduando em Jornalismo (Ufop)
Assim como para Fabrício e outros milhares de estudantes do ensino superior, para Caio Duarte, 26, estudante de Jornalismo da Ufop, a continuação dos estudos é ancorada na “política de permanência, bolsa permanência, R.U [restaurante universitário], as moitas [moradias estudantis], esse ambiente criado e pensado para as pessoas em vulnerabilidade socioeconômica, pessoas que não têm condições de se bancar e estudar. Então, o primeiro momento é esse que me faz permanecer nessa política”. Já para Aline Egidio, 22, estudante do curso de Serviço Social da mesma instituição, a bolsa é um mecanismo de permanência, “mesmo essas que não são da Prace, para alunos e alunas que não tem condição de permanecer na universidade e alguns professores/professoras simplesmente não atentaram a esse ponto, questão de permanência”, diz. De modo a tentar englobar um maior número de estudantes vulneráveis economicamente às bolsas oferecidas, instituições como a Ufes inseriram a política de reserva de vagas para alguns de seus processos seletivos internos e, assim como outras instituições, priorizam estudantes em situação de vulnerabilidade econômica para vagas de projetos e programas remunerados.
Apesar das possibilidades de obtenção de auxílio, os próprios alunos relatam observar em seus cotidianos falhas, como a má distribuição, a falta de correção sobre a inflação e o longo prazo entre o ingresso e a obtenção de bolsas. Para muitos, esses valores ofertados a partir da participação em projetos de extensão, iniciação científica e outros trabalhos acadêmicos é o principal meio de se sustentar durante os estudos. Além disso, outras necessidades como o acesso ao lazer, transporte e à saúde também têm frágil abrangência dentro das universidades.
Quando a permanência na universidade é negada, a saída se torna uma alternativa /
Foto: Sabrina Pereira
Identidade como permanência
Dentro do espectro de dificuldades psicológicas enfrentadas pelos universitários, questões que definem suas identidades enquanto sujeitos periféricos, pretos, indígenas, mulheres, LGBTQIAP+, também atravessam as permanências em um ambiente que, a priori, seria universal. Na diversidade de identidades, vivências e experiências de vida, estudantes cotistas se veem, muitas vezes, marginalizados. Dentro e fora da universidade, fazer parte de um ambiente ainda “muito elitista”, como descreve a estudante Aline, faz com que alunos cotistas sejam alvos frequentes de validações quanto às suas presenças. Ao contrário do argumentado pela parcela anti-cotas da população, “a forma de ingresso, seja ela por cotas ou não, aparenta não ter correlação com os diferentes tipos de evasão”. É o que apontam os resultados do estudo sobre “Lei de Cotas e Evasão nas IFES brasileiras”, do pesquisador Gabriel Fernandes Lobo, da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Segundo a pesquisa, publicada em 2021, fatores como gênero e a qualidade do aprendizado no decorrer do Ensino Médio influenciam na permanência dos estudantes na graduação. Além disso, o estudo conclui que os motivos que levam à evasão perpassam aspectos como os laços de amizade, o cotidiano, a representação dentro da universidade e os direitos humanos básicos.
Em relação às marcas de gênero postas no ambiente universitário, a falta de assistência às mães e gestantes, como bolsas maternidade, creches, trocadores e acesso dos filhos aos restaurantes universitários, são algumas das principais causas da interrupção dos estudos. Natural do município de Lorena, SP, mulher preta, a estudante da Ufop, Aline Egidio, é mãe do pequeno Antônio de 11 meses, nascido durante a sua graduação: "Eu que não tenho rede de apoio, não tenho família perto, divido os cuidados com o pai do meu filho, fica muito difícil eu entrar no campo do estágio. Eu até tentei falar isso com coordenação e não me ouviram, falaram que eu estava falando ‘coisas emocionais e eles resolvem demandas práticas’”. Integrante do projeto ManU - Maternidade e Universidade, Aline relata que no dia-a-dia, as ações de acolhimento não são suficientes para lidar com as dificuldades.
Aline Egidio, pesquisadora e ativista, graduanda em Serviço Social (Ufop)
No cotidiano universitário, grande parte do corpo docente é formado por pessoas brancas, de classe média e cis-hétero-normativas. Na falta de seus semelhantes nos maiores níveis hierárquicos, como entre professores e coordenadores de curso, a formação de laços e redes de apoio com seus iguais são essenciais para a manutenção da saúde e do bem-estar de muitos estudantes. Caio Duarte, homem cis preto, conta: “Eu não sentia que aquele espaço tinha sido criado pra mim, tinha sido pensado pra mim, porque eu via poucas pessoas parecidas comigo, financeiramente e na questão racial também”. As vivências, atravessadas por problemas estruturais, como o racismo, ainda fazem parte do cotidiano de pessoas pretas da universidade. Em abril de 2022, estudantes da Ufop foram acusados de cometer blackface, na qual as pessoas se pintam com maquiagem ou tinta preta, para representar caricaturas de sujeitos negros. A prática, que remete ao periodo de escravidão nas Américas, é considerada racista, uma vez que coloca povos negros em situação de ridicularização.
Júlia Mofati, graduanda em Educação Física (Ufes)
Júlia Mofati, mulher cis preta e pessoa com deficiência, também desabafa sobre a falta de representatividade no corpo docente de sua universidade: “A gente fala muito da teoria, preto isso, deficiente aquilo, mas e na prática?”. Na prática, a universitária conta que já viveu situações de capacitismo não só por parte dos alunos com quem divide o ambiente, mas também de professores. Nestes e em outros momentos, a criação de laços de amizade são fundamentais para enfrentar os piores momentos. Para Caio, o enfrentamento do racismo se dá com o apoio de amigos e colegas de turma, para apontamentos, debates e denúncias. Já para Julia, passar pelo agravamento da situação econômica durante a pandemia, só foi possível graças a ajuda dos amigos. Por isso, para ela, manter-se firme é poder retribuir tudo o que lhe foi dado até hoje.
Lucas Rezende, graduando em Direito (UFMG)
Motivos para ficar
Apesar das dificuldades que se manifestam de modo palpável na vida dos estudantes, muitos deles relatam que ainda há motivos para se manter firme na busca pelo tão sonhado diploma. Para todos os entrevistados, alcançar um futuro digno para si, para os pais e demais familiares, amigos e até mesmo a comunidade é o que os move.
Por questões econômicas, Lucas Rezende não permaneceu na universidade. Os livros são lembranças da sua trajetória na graduação / Foto: Sabrina Pereira
Afastados da família e do círculo de convivência diária a que estavam acostumados, a mudança de rotina e as incertezas relacionadas à vida financeira e estudantil, muitos estudantes necessitam de apoio psicológico para se manterem firmes no mundo acadêmico. Foi o que vivenciou Lucas Henrique Rezende Pereira, 28, ex-aluno de Ciências Sociais, da Universidade de São Paulo (USP): “Até o acesso a serviços psicológicos era muito limitado. Eu precisei algumas vezes desses serviços e a única possibilidade que a SAS [Superintendência de Assistência Social] dava pra gente era de ir na Faculdade de Psicologia toda terça-feira se consultar com os alunos que estavam na residência”.
“Eu acho que a grande vitória pra mim é permanecer vivo, sabe? Eu não estou satisfeito com o que eu estou vivendo hoje, sabe? Com a realidade que eu estou vendo hoje, com o que eu tenho. Poderia ser outra história, poderia ser outra vivência.”
Fabrício Igbó, artista multimídia afro-indígena, graduando em Jornalismo (Ufop)
Outros reflexos da macroestrutura que também se impõem no ambiente universitário são as diferenças econômicas e de classes sociais. As diferenças culturais, de experiências e vivências entre professores e até mesmo aos próprios colegas de turma, dos tipos de moradia, do acesso à saúde e a qualidade dos estudos, muitas vezes excluem ou afastam muitos estudantes de pessoas com quem têm contato diariamente. Para muitos, inclusive, esses são fardos pesados demais para quem vê na Universidade Federal uma perspectiva de mudança. “O que me motivou a ir pra São Paulo para estudar na universidade pública foi a possibilidade de ascensão social. Eu acho que isso é comum entre as pessoas mesmo, mais pobres. Cheguei lá [na USP], eu notei que era um pouco da reprodução do que eu já vivi. Achei que talvez me oferecesse um pouco mais de estrutura, mas, na real, não. Acho que tudo que eu passei de pobreza na minha vida, eu tinha que passar de novo pra conseguir estudar”, relata Lucas sobre sua experiência na capital paulista.
“Foram meus amigos que me mantiveram, entendeu? Tem coisas que eu trago muito pra mim tipo um trampolim, como se tivesse que impulsionar pra você ir. Então, essas pessoas significam muito pra mim”
Júlia Mofati, graduanda em Educação Física (Ufes)
Para Caio, somar ao debate racial de um lugar que, a princípio, ele não via como seu, é também o que ele deixa de legado: “O que me deu um ânimo de falar, ‘poxa, tô fazendo alguma coisa’, foi ver que essas pessoas conseguiram se questionar, olhar pra dentro de si, e reconhecendo o problema de si própria. Reconhecendo que essa estrutura racial vai atingir a todo mundo, as pessoas começaram a mudar de opinião e entender essa mudança”. Já para Júlia, poder se dedicar à educação inclusiva, através do laboratório em que é bolsista, dando aula de Educação Física para pessoas do espectro autistas e pessoas com dificuldades visuais (totais ou parciais), é o que deixa de legado. Para a estudante, mostrar que o ensino superior é um lugar para todos e que a diversidade deve ser celebrada é o que a faz correr atrás do sonho de permanecer no ambiente escolar como professora: “Eu vejo a educação especial como uma potência, Às vezes as pessoas não sabem nem o que é uma escola, uma universidade, enfim, os espaços que elas têm que entrar”.
“O que me faz permanecer na universidade é que eu senti muito melhor a qualidade de vida entrando no ensino superior. Eu já percebi que o ensino superior pode me proporcionar condições de vida, então eu vejo como uma forma de transformação da minha vida e da minha família.
Aline Egidio, pesquisadora e ativista, graduanda em Serviço Social (Ufop)
“Mas essa garra, eu continuo com ela: de me formar, de terminar o que eu propus, de avançar mais e alcançar essa oportunidade que o curso proporciona, para meu crescimento pessoal, mas para o crescimento também da minha comunidade, das pessoas que estão comigo”
Caio Duarte, graduando em Jornalismo (Ufop)