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Não é só uma gripezinha. Nem aqui, nem na China

No Brasil, política e ideologia se sobrepõem à ciência no combate a um vírus global

Equipe: Danillo Vieira,

Giulia Pereira e Mariana Paes

Fonte: Divulgação / Prefeitura do Rio de Janeiro e Reprodução / Wikimedia Commons

Thaís Salles Granado, 29, brasileira, casou-se com Whitney O’Callaghan, 27, australiana, em 2020. A cerimônia aconteceu em meio à pandemia do novo coronavírus na Inglaterra, país onde se conheceram. Thaís estava no Brasil no início da pandemia e retornou ao país para se casar com Whitney, que é enfermeira e trabalhava na linha de combate ao vírus no país. Em dezembro de 2020, o casal veio a passeio para o Brasil com a intenção de conseguir o visto de casamento e se mudar para a Austrália. Tentaram, por meses, conseguir o visto australiano para Thaís. Foi um processo extremamente difícil, devido às medidas restritivas adotadas pelo governo australiano. A situação de ambas é um retrato da relação entre pessoas e países na pandemia. Os três países se diferenciam muito em relação às ações públicas de enfrentamento da pandemia. "Estava preocupada de eles não aceitarem meu visto por eu ser brasileira, por causa das variantes que tem aqui, que querendo ou não têm um maior risco, né?", declarou Thais.

 

A Austrália ficou reconhecida por adotar medidas rígidas em relação ao coronavírus e totaliza, até abril de 2021, cerca de 29 mil casos e menos de mil mortes desde o início da propagação da doença. Desde outubro do ano passado, a média de mortes diárias no país se mantém entre 0 e 1. No mesmo período, no Brasil, são cerca de 13,5 milhões de casos. O número de mortes diárias ultrapassou quatro mil em 6 de abril. Na mesma data, a Inglaterra apresentou a média de 30 mortes diárias e 3.256 novos casos, de acordo com o JHU CSSE Covid-19 Data. A Inglaterra trabalha com uma combinação de três pontos essenciais: medidas restritivas, vacinação e testes em massa. A diminuição do número de casos foi expressiva com o segundo lockdown e com o avanço da vacinação.

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Estava preocupada de eles não aceitarem meu visto por eu ser brasileira, por causa das variantes que tem aqui, que, querendo ou não, têm um maior risco, né?

Thaís Salles

Brasileira imigrante

Os exemplos acima nos tiram a ilusão de que a Covid-19 é uma doença democrática e atinge da mesma forma todas as nacionalidades. Líderes políticos que contestam as afirmações de instituições acadêmicas e de pesquisa reconhecidas, e não seguem medidas adotadas pelas instituições veem seus países atravessarem de forma diferente a pandemia. Infelizmente, em pleno século XXI, há no mundo uma crescente tendência de negação das verdades científicas, consolidadas graças a estudos longamente desenvolvidos. Há um embate entre argumentos que não têm base de verdade e resultados cientificamente comprovados.

 

Segundo o professor Vladimir Feijó, pesquisador de Direito Internacional na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), a gestão brasileira da pandemia é 100% política e eleitoreira: “Ela começou numa disputa entre os agentes políticos federal e estadual, todos querendo se eximir de responsabilidades ou então lançar mão de alguma política que seria a resposta definitiva para a sociedade. Entretanto, como outros países, nós somos uma Federação”, afirma.


O comunicador Wilson Couto Borges, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), afirma que “toda e qualquer informação é política por natureza. Não existe uma comunicação que seja despolitizada”. Nesse viés, explica: “não existindo essa possibilidade, o primeiro movimento que nós precisamos fazer é: a que tipo de compromisso político aquela informação está vinculada?” No caso do Brasil, diante desse contexto, pode-se perguntar: a que tipo de compromisso político as informações que o Governo Federal dissemina durante a pandemia do coronavírus estão vinculadas? O que as falas do Presidente da República indicam sobre isso?

Em outubro de 2020, em episódio da coluna “Um Olhar sobre o Mundo", da Rádio da Universidade de São Paulo (USP), o professor de Direito Internacional da mesma instituição, Alberto do Amaral, analisou as consequências negativas da politização da crise sanitária em países como Brasil e Estados Unidos. Segundo o autor, o resultado da pandemia do coronavírus poderia ter sido muito inferior ao que é em relação ao número de óbitos e de infectados caso as lideranças políticas tivessem adotado uma série de posturas diferentes, como ouvir cientistas, estar de acordo com as recomendações científicas e adoção de medidas preventivas. Todos os países que mantiveram grandes surtos de coronavírus foram os países que contestaram sistematicamente as verdades científicas, portanto o resultado é algo que nos revela a necessidade de repensar a relação entre a política e a ciência nos próximos tempos.


Conforme explica o ensaio Uma sociologia compreensiva sobre política e pandemia no Brasil, desenvolvida pelos pesquisadores George Fredman e Alexandre Fernandez, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a politização de um evento, assunto ou pessoa não é uma situação nova na história, mas sim é parte dela. A politização é tão antiga quanto os atos comunicativos entre os  ancestrais  da  humanidade  reunidos  nos  primeiros  agrupamentos. Segundo os pesquisadores, com a palavra, nasce mais do que a possibilidade de se construir um mundo à imagem  e  semelhança  do  seu  habitante  humano. Também  nasce o  exercício  do  poder,  da dominação e da  incorporação  da  violência, que até o advento da linguagem estava ligado ao “estado selvagem” da “proto-humanidade”.

Negligência ou projeto de Governo?

No momento em que escrevemos essa reportagem, em abril de 2021, somos 372 mil mortos. "Somos" porque nos incluímos nas estatísticas ao entender que, ao morrer parentes, amigos e conhecidos, nós, enquanto sociedade, somos governados pela morte. Que mata nossa esperança por não haver leitos em UTI's, oxigênio, equipamentos de proteção individual e dignidade. O jornal Estado de Minas, em notícia publicada em março deste ano, a partir de uma postagem do jornalista Maurício Brum (The Intercept Brasil) nas redes sociais, comparou o número de mortes diárias no Brasil com a soma das dez nações subsequentes do ranking de países com mais óbitos diários. A matéria diz que: “enquanto vários países já venceram a fase mais difícil da Covid-19, o Brasil caminha para novos recordes”. No momento da publicação de Brum, os EUA não haviam divulgado o balanço oficial.

A má gestão do Governo de Jair Bolsonaro na pandemia se reafirma no momento em que as opiniões pessoais do Presidente se sobrepõem a estudos e pesquisas com comprovação científica e às recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS). De acordo com o professor Vladimir Feijó, a própria opção pela saída da crise pela imunidade coletiva por contágio ou “imunidade de rebanho”, que visou a infecção do máximo de pessoas possível para não parar a atividade econômica, se mostrou uma decisão pouco eficiente a partir do momento em que, se conhecendo mais sobre o vírus, ficou claro seu potencial destrutivo, de contaminação, letalidade, produção de sequelas e aumento de variantes. “A imunidade de rebanho é uma perigosa falácia sem respaldo científico”, afirma um grupo de 80 cientistas em uma carta aberta publicada pela revista científica inglesa The Lancet.

O Boletim nº10 "Direitos na Pandemia - mapeamento e análise das normas jurídicas  de resposta à Covid-19 no Brasil", de 21 de janeiro de 2021, uma publicação de difusão científica da Conectas Direitos Humanos em parceria com o Centro de Pesquisas e Estudos sobre Direito Sanitário (CEPEDISA) da Faculdade de Saúde Pública da USP, divulgou uma linha do tempo da estratégia federal de disseminação da Covid-19. 


De acordo com os pesquisadores, “os resultados afastam a persistente interpretação de que haveria incompetência e negligência da parte do Governo Federal na gestão da pandemia. Bem ao contrário, a sistematização de dados, ainda que incompletos em razão da falta de espaço para tantos eventos, revela o  empenho e a eficiência da atuação da União em prol da ampla disseminação do vírus no território nacional,  declaradamente  com o objetivo de retomar a atividade econômica o mais rápido possível e a qualquer custo." Essa decisão implica em um número elevado de óbitos que, ao exemplo das medidas adotadas em outros países, como a Austrália e Nova Zelândia, poderiam ser evitados. Uma pesquisa de Maíra Fedatto, doutoranda em Relações Internacionais e Saúde Global da USP, analisou a reação de Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia após a chegada da pandemia. A conclusão é de que os quatro países que seguiram as orientações da OMS obtiveram melhores resultados. O Brasil, lamentou a especialista, foi o único que virou as costas para o manual global de luta contra pandemias.

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A cooperação, de longe, não é sinônimo de harmonia

Vladimir Feijó

Pesquisador de Direito Internacional

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Em consequência disso, o relacionamento entre o Brasil e outros países pode se fragilizar. O professor Vladimir Feijó afirma que, neste momento de crise sanitária mundial, as organizações intergovernamentais, como a OMS, são prova clara da relevância da cooperação entre países para a solução de problemas em escala global. Segundo Vladimir, “a cooperação, de longe, não é sinônimo de harmonia. É uma opção racional de resolver os problemas da interdependência, que não pelo uso da força. Os estados, para materializar tudo que as suas sociedades precisam, inclusive as liberdades fundamentais, precisam do apoio recíproco um do outro”, explica.

Em junho de 2020, o Governo de Jair Bolsonaro ocultou dados sobre a infecção pelo Coronavírus no Brasil. O Ministério da Saúde havia apagado de sua plataforma oficial na internet os números de novos casos de Covid-19, na mesma semana em que adiou a publicação dos boletins epidemiológicos para as 22h, depois do horário de fechamento das redações dos principais jornais impressos do país. “Acabou matéria do Jornal Nacional”, afirmou Bolsonaro ao ser indagado sobre a estratégia. Na época, uma matéria da BBC News Brasil analisou que limitar o acesso aos dados sobre a pandemia do coronavírus no país poderia reduzir investimentos estrangeiros, complicar o acesso a empréstimos internacionais e dificultar viagens de brasileiros ao exterior.

Neste momento, para além de questões econômicas e intergovernamentais, as determinações são também científicas, e ainda há persistência do Governo na divulgação de informações sem credibilidade, com embasamentos políticos, ideológicos ou religiosos. É o caso do “kit precoce” ou “Kit-Covid”, série de medicamentos sem comprovação científica recomendado pelo Governo Bolsonaro, responsáveis pelo agravamento do quadro de pacientes de Covid-19 e até pela morte de alguns. Um estudo liderado pela OMS realizado em mais de 30 países, apresentou, em uma pré-publicação em 15 de outubro de 2020, que os medicamentos remdesivir, hidroxicloroquina, lopinavir/ritonavir (combinação) e interferon beta-1a se mostraram ineficazes no tratamento contra a Covid-19.

Do boato às fake news

A epidemia mais antiga do século XX, a gripe espanhola, e a atual epidemia de Covid-19 têm muitas semelhanças apesar dos mais de 100 anos de desenvolvimento científico que as separam. “A gripe foi justamente a morte sem velório. Morria-se em massa. E foi de repente. De um dia para o outro, todo mundo começou a morrer. Os primeiros ainda foram chorados, velados e floridos. Mas quando a cidade sentiu que era mesmo a peste, ninguém chorou mais, nem velou, nem floriu. O velório seria um luxo insuportável para os outros defuntos […] Durante toda a Espanhola, a cidade viveu à sombra dos mortos sem caixão”, escreveu Nelson Rodrigues, em 1967. Substituindo algumas palavras, esse trecho poderia facilmente se referir à epidemia de Covid-19.

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Comparativo entre hospitais de campanha na pandemia de covid-19 e na pandemia da gripe espanhola

No entanto, para além das semelhanças biológicas de transmissão viral e a rápida disseminação, as duas pandemias estão ligadas pelas teorias conspiratórias propagadas por meio de boatos. Em 1918, disseminava-se que a gripe espanhola teria sido criada e espalhada pelos alemães em garrafas jogadas ao mar. Já em 2020, um dos rumores sobre o coronavírus afirma que o vírus foi criado pelos chineses, com o objetivo de reduzir a população mundial e provocar uma crise no mercado financeiro para que o governo chinês obtivesse vantagens econômicas. 

 

Com o avanço da gripe espanhola, algumas promessas de cura eram noticiadas pela imprensa, como: caldo de galinha, quinino, ovos e limão. Atualmente, com o avanço tecnológico, as redes sociais permitem uma disseminação ainda mais rápida dessas soluções milagrosas. Cloroquina, ivermectina, anitta, vitamina C com água e limão, óleo consagrado, chá de abacate com hortelã, ozonioterapia e claridade emitida pela solda são alguns exemplos.

As historiadoras Lilia Schwarcz e Heloisa Murgel Starling escrevem no livro "A bailarina da morte: a gripe espanhola no Brasil", publicado em outubro de 2020, a seguinte reflexão: “Pouca coisa mudou de 100 anos para cá. Já naquele contexto se recomendou o isolamento, os locais públicos foram fechados. As pessoas tinham que usar máscara. E um medicamento nos chamou a atenção. Já naquele contexto, o sal de quinino, a cloroquina, que já era usado para combater a malária que era uma das epidemias, foram deslocadas para a grande gripe”, contam. Nos "Conselhos ao Povo", que circularam nos principais jornais do país, a Diretoria do Serviço Sanitário recomendava, entre outros, "tomar, como preventivo, internamente, qualquer sal de quinino nas doses de 25 a 50 centigramas por dia, e de preferência no momento das refeições." Havia também quem desmaiasse no meio da rua de tanto tomar quinino, que em doses excessivas é tóxico. Wilson Couto Borges, pesquisador do Laboratório de Comunicação e Saúde do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fiocruz, explica a relação da pronúncia de cloroquina e o quinino da gripe espanhola no imaginário popular:

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'Cloroquina' se conecta a um conjunto de conhecimentos que são anteriores. Cuja transmissão [...] não veio pela ciência. [...] Veio, eventualmente, num 'almoço de domingo'

Wilson Couto Borges

Doutor em Comunicação e pesquisador da Fiocruz

Wilson Couto Borges fala sobre cloroquina e quinino
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Em maio de 2020, duas publicações médicas reconhecidas internacionalmente – o Journal of the American Medical Association (Jama) e o British Medical Journal (BMJ) – publicaram estudos concluindo que os pacientes tratados com cloroquina e hidroxicloroquina não tiveram resultados significativamente melhores do que aqueles que não receberam os medicamentos. A divulgação do uso dos fármacos é mais uma das chamadas fake news sobre o coronavírus. O termo, em português “notícias falsas”, ganhou popularidade durante a eleição presidencial de 2016 nos Estados Unidos, na qual Donald Trump tornou-se presidente, e é usado para referir-se a falsas informações divulgadas, principalmente, em redes sociais. Tais informações tornam-se parte de uma estratégia a partir do momento em que, visando a mobilização de cada vez mais pessoas, robôs automatizam e  amplificam a disseminação dos discursos. 


Segundo levantamento realizado pelo Correio Braziliense, com base em números da plataforma estadunidense Bot Sentinel, que analisa publicações do Twitter feitas por robôs, o número de postagens com hashtags de apoio a Bolsonaro cresceram em 3.441% entre fevereiro e março de 2021. Um indicativo que aponta para a possibilidade de a atividade no Twitter a favor de Bolsonaro ser conduzida por perfis inautênticos é a identificação de erros gramaticais na escrita de algumas hashtags. A hashtag #FechadoComBolsonaroAte2016 foi compartilhada em junho de 2020:

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Disseminar informações falsas em um momento em que a informação correta é essencial para prevenção e combate à Covid-19 é um dano que coloca em risco a vida das pessoas. A OMS, por meio da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), publicou, em 30 de abril de 2020, um informativo que descreve dois fenômenos atuais: a infodemia, que se caracteriza pelo aumento considerável no volume de informações sobre um determinado assunto — no caso atual, sobre a Covid-19; e a desinformação, que pode ser entendida como informação falsa ou imprecisa.

 

Uma iniciativa brasileira para combater a disseminação de notícias falsas foi a criação do Detector de fake news sobre o Covid-19, idealizado por Andreza Fernandes, Felipe Marcel, Flávio Carneiro e Marianna Ferreira, pesquisadores do Programa de Pós-graduação em Ciência da Computação da Universidade Federal do Ceará (MDCC-UFC) em outubro de 2020. 

 

Para diminuir os impactos da desinformação, diversos sites de checagem de fatos identificam e classificam manualmente as notícias como “falsas” ou “verdadeiras”. Andreza Fernandes afirma que esses sites poderiam fazer uso de algoritmos para classificar mecanicamente as fake news. A partir da base de dados do site Chequeado, agência argentina de fact checking, e do Fato Ou Fake, do G1, o grupo criou um bot (robô) no aplicativo de mensagens Telegram para detectar notícias falsas relacionadas ao Covid-19.


Uma questão crucial para reverter a situação brasileira frente à pandemia, e que ainda divide opiniões, é a vacinação. Dados de uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) publicada em setembro de 2020, revelaram que 20% da população brasileira talvez não se vacinaria contra a Covid-19 quando uma vacina estivesse disponível. 5% disse que não tomaria a vacina de jeito nenhum, enquanto 75% afirmava que iria se vacinar quando um imunizante seguro e eficaz estivesse disponível.

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Dos brasileiros que afirmaram que “não” e que “talvez não” tomariam a vacina, cerca de 34% declarou que acreditava em notícias, como as listadas a seguir, para não se vacinar: "As vacinas não são seguras" (53%); "Receio de tomar a vacina e se contaminar com o novo coronavírus" (36%); "A vacina pode causar outras doenças, como autismo" (35%); "Bill Gates teria dito que a vacina pode matar cerca de 700 mil pessoas" (20%); "A vacina da Covid-19 contém chips implantados para controle populacional" (19%); "A vacina poderia alterar o DNA" (14%); e, por fim, "As vacinas são produzidas a partir de células de fetos abortados" (12%). Um artigo do professor Luiz Carlos Dias, publicado pelo jornal da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), desmente tais notícias.

O único tratamento precoce é a vacina

Em novembro de 2020, após suspensão por dois dias dos testes da vacina Coronavac, em São Paulo, devido à morte de um voluntário (sem relação com o imunizante), o presidente Bolsonaro comemorou em suas redes sociais: “Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o [governador de São Paulo] Dória queria obrigar todos os paulistanos a tomá-la. O presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”. 

 

Não é o que dizem os cientistas e pesquisadores. Luiz Carlos Dias, professor e pesquisador da Unicamp, atenta que as melhores ferramentas de saúde pública são as vacinas, juntamente à alimentação, saneamento básico, água potável e antibióticos. São fatores que aumentaram a expectativa de vida da população nas últimas décadas. No caso específico da pandemia, o pesquisador declara que apenas a combinação de vacinação em massa e medidas não farmacológicas, como: uso de máscara, distanciamento físico, álcool gel, hábitos de higiene e lockdown onde os casos estão disparados, podem conter o avanço do vírus. 

 

São duas as vacinas produzidas em território nacional: a Coronavac, do laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantan de São Paulo; e a vacina de Oxford, da universidade britânica e do laboratório anglo-sueco AstraZeneca, fabricada no Brasil pela Fiocruz, no Rio de Janeiro. O Brasil aplicou a primeira vacina contra a Covid-19 em 17 de janeiro de 2021. Quase três meses depois, cerca de 10% da população recebeu uma das duas doses necessárias e apenas 2,8% está totalmente imunizada. O ritmo é lento em comparação com países como Israel, que iniciou a vacinação em dezembro de 2020 e, três meses depois, de acordo com o G1, 50,07% da população geral já recebeu as duas doses da vacina. A primeira dose foi aplicada em 55,96%.

 

Para o professor Luiz Carlos Dias, para uma imunização efetiva e sem a possibilidade do desenvolvimento de novas cepas, é preciso vacinar, em massa, 70% da população mundial. O pesquisador da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), completa: “No centro da saúde pública, a vacina tem que ser encarada como direito, e não como imposição. Assim como se exige que uma criança vá para escola, porque a escola é um direito, deve-se exigir que uma pessoa tome a vacina. Porque não é prejuízo pessoal simplesmente, é um prejuízo para a sociedade”.

A primeira vacina que chegar no seu braço é a melhor

Luiz Carlos Dias

Doutor em Ciências Químicas

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Luiz Carlos Dias fala sobre vacinação
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Ainda de acordo com o pesquisador, “é preciso, depois que tiver as vacinas, fazer uma campanha de engajamento da população brasileira sobre a importância de uma alta adesão às vacinas. Para sair dessa pandemia, nós precisamos de vacinação em massa, independentemente da nacionalidade da vacina. A primeira vacina que chegar no seu braço é a melhor”, defende.

Parte dessa conscientização se dá pelo (re)conhecimento científico da população. O secretário regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Luciano Mendes, afirma que o Brasil nunca conseguiu criar uma forte cultura científica. Ele também defende que a ciência deve conviver com outras culturas, como, por exemplo, a cultura religiosa. Uma pesquisa do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT), publicada em junho de 2019, indicou que 93% dos jovens brasileiros entre 15 e 24 anos não sabem citar o nome de algum cientista brasileiro. Apesar de 67% dos entrevistados afirmarem que “ciência” é um dos assuntos de maior interesse, o assunto “religião” aparece com a mesma porcentagem. O desconhecimento de assuntos científicos fica claro quando os entrevistados respondem, entre outras questões, não concordar que os humanos descendem de outros animais (40%); e acreditam que vacinar crianças pode ser perigoso (25%). Em 2017, uma pesquisa de intenção de voto realizada pelo Instituto de Pesquisa Datafolha indicou que 60% dos possíveis eleitores de Bolsonaro eram jovens entre 16 e 34 anos. 

 

O secretário diz que apenas o acesso a dados e pesquisas científicas não resolve o cenário brasileiro: “A gente investiu muito em pesquisa, e não é à toa que o Brasil é um dos maiores produtores de alimento do mundo. E uma parte da população passa fome. Então não é o fato de termos ciência que permite, hoje, alimentar o mundo todo”. Ou, numa possível analogia, não é o acesso à informação comprovada cientificamente que tem o poder de convencer as pessoas de sua credibilidade. É necessário o investimento em políticas públicas em educação, ciência e tecnologia, além de uma separação entre o “fazer político” e o “fazer científico”.

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Fonte: IBOPE, setembro de 2020

Fonte: Bloomberg, abril de 2021

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