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PARA ALÉM DO PROTOCOLO

No dia a dia dos beneficiários do Bolsa Família, as condicionalidades asseguram o cumprimento de princípios constitucionais

Beatriz Araujo de Oliveira, Davi Guimarães, Evelin Almeida e Sarah Daier 

Março de 2024

Foto: Sarah Daier

As condicionalidades surgem nas diretrizes do Programa Bolsa Família (PBF) como um complemento para garantir o acesso aos direitos básicos de todo cidadão, como saúde, educação e desenvolvimento social. Elas incluem: medidas que compreendem o desenvolvimento de um ser humano desde o acompanhamento do pré-natal, com consultas e atendimentos médicos para a gestante; a pesagem regular das crianças beneficiárias do Bolsa Família, visando assistência nutricional; o acesso às vacinas de acordo com a faixa etária; até a supervisão de crianças e adolescentes na escola por meio da frequência nas aulas. 


No Capítulo II da Carta Magna de 1988, intitulado “Dos Direitos Sociais”, o Artigo 6º declara: “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. No dia a dia de quem trabalha com o PBF e de quem é beneficiário, existem três eixos fundamentais. O cuidado surge na maneira humanizada pela qual passa o atendimento dos profissionais da saúde e da educação. A estrutura é proporcionada pelos locais e equipamentos disponíveis nos centros de saúde e nas escolas, a fim de que os beneficiários sejam acolhidos com dignidade. Por fim, o futuro parte da ideia de perspectivas duradouras, com atendimento de gestantes durante toda a gravidez, para depois tratar da saúde dessa criança e garantir que ela tenha acesso à educação desde o fundamental até o Ensino Médio.

VÍNCULO, CUIDADO E ASSISTÊNCIA

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O cuidado é a potência idealizada pelo Programa. Significa, para além das diretrizes protocolares, o zelo com o ser humano. O direito à vida com dignidade, à escolas inclusivas, ao acesso à saúde para todos, é sinônimo de cuidado. Alheio à rotina intensa e estressante na unidade de saúde, está abrigado nos singelos movimentos e tratamento com a família.

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O cuidado, eu acho que, antes de tudo, vem [de] um amor. Pelo menos o que me levou há 13,14 anos atrás a optar por essa profissão. Foi exatamente isso: o cuidar. Eu amo cuidar, eu gosto muito de cuidar de todo mundo que está à minha volta. Eu gosto de cuidar de quem eu amo, eu gosto de cuidar de quem precisa dos meus cuidados. Então, vai muito mais além de uma profissão, muito mais além do que cuidados. Eu acho que é amor a palavra certa.”

 

 

MARISA MARTINS,
Técnica de Enfermagem

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MIRIAN GONÇALVES,
Técnica de Enfermagem

Para mim, representa mais do que a própria palavra. Vai muito mais além. O carinho que nós temos, a reciprocidade. É como se fossemos uma família, é uma sensação maravilhosa. A gente acompanha as crianças desde a gestação, a mãe vai na primeira consulta e vemos todo o processo; o pós-parto e vemos as crianças crescendo. Nós criamos um vínculo, um elo. É indescritível esse sentimento.

 

 

 

As mães confiam na gente e nas crianças. Muitas pessoas vão lá, às vezes, para conversar, desabafar. A maioria da população não quer apenas cuidar da saúde física, mas também da saúde mental.”

 

Os dias de pesagem são turbulentos no Programa Saúde da Família (PSF) do Centro de Mariana. Em meio ao caos, a palavra “cuidado” ecoa dentro das salas de atendimento. O ato de tomar conta de alguém torna-se uma atividade diária, subjetiva e sensível, exercida pelos profissionais da saúde.

 

Magna Eduardo dos Anjos, que estava na pesagem do PBF com seu filho, mostra que o cuidado também parte da família, ao falar sobre como se mantém em dia com os requisitos do Programa: “fazendo as coisas tudo direitinho: deixando meu menino na escola, tomando as vacinas direitinho e fazer as coisas igual ‘tá’ na regra do Bolsa Família”.

Escola cria elos

No que compete à educação, o aprendizado e o desenvolvimento social e pessoal de cada aluno, criança ou adolescente, entra como foco principal. O Centro de Referência da Infância e Adolescência (CRIA) e a Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais de Mariana (APAE), ambos em Mariana (MG), são exemplos de educação especializada e complementar que integram diversas áreas de cognição.

O CRIA atende jovens entre seis e 17 anos de idade em horário de contraturno da escola, com atividades complementares e gratuitas que variam de artes marciais para dança e esportes. De acordo com o coordenador do centro, João Paulo da Silva Santos, são atendidos cerca de 80 usuários por semana no turno da manhã, 106 adolescentes nas tardes de terça e quinta-feira e 160 crianças no turno vespertino de segunda, quarta e sexta-feira. Além das atividades físicas, o CRIA possui uma equipe de psicólogos, assistentes sociais e profissionais pedagógicos a fim de proporcionar um melhor atendimento para as crianças e adolescentes.

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O CRIA é um centro de convivência e fortalecimento de vínculos. As crianças vêm aqui para usar esse espaço, desenvolver suas habilidades e aprender novas também. Eles desenvolvem outros laços, trabalham seus medos, dificuldades e suas limitações. Aqui damos estímulo para eles vencerem esses desafios”.

JOÃO PAULO DA SILVA SANTOS, Coordenador do CRIA
 

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RELAÇÃO, ESTRUTURA E ACOLHIMENTO

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Para o Programa Bolsa Família funcionar, é preciso ter uma estrutura preparada para lidar com a grande demanda dos beneficiários, sejam nas escolas ou nas Unidades Básicas de Saúde (UBS). De acordo com a Agência Gov, do Governo Federal,o PBF atendeu cerca de 21,3 milhões de famílias em 2023. Além dos equipamentos médicos e materiais educacionais, os profissionais que trabalham nas áreas de educação e saúde têm de ter o preparo a fim de lidar com situações diversas, dentro e fora do que se é considerado comum.

 

Porém, antes das instituições educacionais e dos centros de saúde, vem o Cadastro Único. Um sistema que serve como porta de entrada para vários outros programas assistenciais no país. É uma ferramenta essencial para a identificação de pessoas em situação de vulnerabilidade social. O CadÚnico de Mariana fica localizado na Av. Getúlio Vargas, 110, no Centro de Convenções Alphonsus de Guimarães.

A gente tá aqui na frente do Programa Cadastro Único. As pessoas vêm até aqui por demanda espontânea, ou mesmo [pela] busca ativa que fazemos das famílias nos bairros e distritos, para inserir dentro do Cadastro Único. Ele é o sistema Central, a ferramenta central do governo para identificar as famílias de baixa renda”.  

TIAGO SOARES,
Coordenador do CadÚnico de Mariana

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A pesagem é uma das condicionalidades do PBF e acontece duas vezes ao ano. A Secretaria Municipal de Saúde do município é responsável por determinar o período de conferência, a partir das famílias listadas. Divididas por localidades e datas, as famílias são comunicadas e convocadas a comparecer nas unidades que realizam o acompanhamento.

A condicionalidade exige que crianças de até sete anos, mulheres entre 14 e 44 anos e gestantes compareçam na UBS de referência residêncial, para que os agentes de saúde verifiquem o estado nutricional de cada um por meio da conferência de peso, e outras medidas, como a altura. As anotações dos agentes são enviadas e arquivadas no banco de dados nacional do Bolsa Família.

 

Em Mariana, a partir do mês de outubro, a Secretaria de Saúde lançou o segundo chamado do ano. A sala de espera do PSF Centro 2, na rua Wenceslau Braz, torna-se o ponto de encontro entre as vizinhas que colocam a conversa em dia esperando a sua vez de atendimento.

Cidadania constrói caminhos

 

Pelo lado mais técnico e institucional da condicionalidade da educação, as crianças de quatro a seis anos de idade incompletos precisam comparecer a 60% das aulas escolares. Enquanto os jovens entre seis e 18 anos incompletos precisam ter 75% de frequência na escola.

SONHOS, FUTURO E DESENVOLVIMENTO

 

Para os pais e responsáveis, garantir que os filhos sejam alfabetizados e vacinados faz parte da rotina familiar. Colocar as crianças e adolescentes nos ônibus escolares, levá-los para a pesagem e aos centros de vacinação é mais uma tarefa para assegurar o futuro e os sonhos dos jovens. Porém, o que para eles é mais uma tarefa diária é também uma obrigatoriedade a ser realizada pelos beneficiários para permanecer no PBF. 

 

Três beneficiárias presentes na pesagem infantil relatam suas vivências com o Programa. Marina Cristina Silva Figueiredo fala o que considera como o lado positivo do PBF: “o Programa me ajuda muito, pois, como estou desempregada, é o dinheiro que me ajuda a pagar o aluguel e as despesas cm a minha filha”. Roselaine Luana, reforça esse ponto de vista: “o dinheiro já ajuda a comprar as coisas pros filhos, a fazer as despesas em casa, material escolar, ajuda demais a comprar remédio, né?! ”. Enquanto Magna dos Anjos levanta um contraponto: “ah, podia aumentar mais um pouco, porque as coisas cada dia ‘tá’ subindo mais. Um gás, hoje em dia, está R$130. O custo de vida ‘tá’ muito caro, entendeu? Acho que tinha que ter um valorzinho mais alto”.

 

Para além da condicionalidade da saúde, o serviço educacional de Mariana fornece escolas públicas e o atendimento gratuito do CRIA com atividades complementares para o desenvolvimento de crianças e jovens. 

Já a Apae é uma rede de apoio que oferece educação, saúde e assistência social para Pessoas com Deficiência Intelectual ou Deficiência Múltipla. Sônia Regina Bandeira, assistente social da instituição, relata alguns cuidados que são necessários por conta de casos de saúde dos alunos. E explica o caminho que a Apae encontrou para promover um espaço educacional seguro e preparado para alunos PCDs.

SÔNIA REGINA BANDEIRA,
Assistente social da APAE

Quando são aqueles alunos nossos não muito frequentes, eu tenho um respaldo de colocar falta, que já vem no próprio Bolsa Família. Um critério lá que eu posso ir acrescentando o porquê que não frequentou, porque a deficiência psicológica do aluno não deixa frequentar a escola, porque é uma crise. ‘Tá’ passando muito mal e não consegue vir à escola, mas eu tenho como provar, porque não é frequente na escola”.

Cuidado gera futuro

 

De acordo com dados de setembro de 2023 do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), da Secretaria Nacional de Renda e Cidadania e da Secretaria de Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único, a cidade de Mariana atendeu, pelo viés da condicionalidade da educação, 3.905 beneficiários do PBF, em um universo de 5.631 crianças e jovens entre sete e 18 anos incompletos. 

Os órgãos relataram que 10.254 beneficiários do PBF precisavam ter acompanhamento das condicionalidades de saúde. A cidade de Mariana atendeu 7.834 beneficiários, ou seja, 76,4% do público-alvo. Dentre eles, 6.077 são mulheres e 1.757 são crianças. Assim como no caso da condicionalidade da educação, a média do acompanhamento da saúde em Mariana é inferior à média nacional, que corresponde a 78,2%.

A saúde acessível é uma condicionalidade do Programa, que se divide em três critérios: pré-natal, vacinação e pesagem. 

A carteira de vacinação precisa estar atualizada de acordo com a idade do beneficiário do PBF. Todas as vacinas estão disponíveis no SUS. Para se manter atualizado, é preciso acompanhar o calendário de vacinação de cada município. 

 

A pesagem é uma condicionalidade que visa o acompanhamento nutricional daqueles atendidos pelo PBF. Os agentes de saúde verificam o estado dos pacientes e coletam os dados necessários para o sistema. Seguir os protocolos das condicionantes é necessário para permanecer no Programa. Sempre que há algum descumprimento ou falta, é considerada uma penalidade, que pode levar à suspensão do benefício. 

GISELI MONIQUE PEREIRA SAMPAIO, Enfermeira da UBS Centro (Previne)

O pré-natal não é nada mais que o acompanhamento do desenvolvimento do bebê, isso levando-se em consideração o crescimento dele do estágio inicial, que é do primeiro trimestre até o terceiro trimestre, o desenvolvimento e a questão da qualidade de vida da mãe também”. 

 

Visando o ponto de vista da família e dos educadores, a frequência escolar é uma forma de acompanhar o desenvolvimento da criança e do adolescente, já que a escola proporciona as primeiras relações dos mais jovens com a sociedade (por meio de interações entre si e entre os profissionais da área), fornece as refeições necessárias para os alunos e, principalmente, torna-se um espaço voltado para o aprendizado e para a formação de futuros adultos. 

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