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À PROVA DO TEMPO

O mais abrangente programa de transferência de renda nacional resiste às transformações da sociedade e a crises políticas

Brian Rodrigues, Gabriela Cotta, Ian Cândido, Maria Eduarda Gomes, Matheus Renovato, Sofia Carvalhido, Stephanie Locker e Wasington Reis

Março de 2024

Foto: Beatriz Tinôco

 

Em 2023, o Programa Bolsa Família (PBF) completou 20 anos de existência. Ao longo de duas décadas, a política assumiu a missão de reduzir a extrema pobreza, promover a inclusão social, combater a fome, garantir o acesso à educação e melhorar as condições de saúde das famílias beneficiárias, colecionando sucessos e desafios.

 

Para Rafael Guerreiro Osório, diretor-adjunto de Estudos e Políticas Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), os principais diferenciais que alçaram o Bolsa Família ao status observado hoje, se dividem em duas bases fundamentais: a criação do benefício como um conjunto de ações estruturadas e a sua posterior expansão.

 

Para entender a importância destes dois pilares, é preciso voltar no tempo. Antes da criação do PBF, o Brasil se encontrava em um contexto social e político marcado por altos índices de desigualdade e exclusão social. Dados disponibilizados pelo banco Ipeadata apontam que, em 2002, ano que antecedeu a implementação do Bolsa Família, o Índice de Gini brasileiro era de 0,58. Quatro anos mais tarde, em 2006, ao término do primeiro ciclo político marcado pela distribuição do benefício, o valor, embora menor, foi aferido em 0,56.

 

Por isso, existia a urgência de enfrentar essa realidade e reduzir as disparidades socioeconômicas no Brasil. Em 2002, o país já investia em programas assistenciais como o Vale Gás, o Bolsa Escola, a Bolsa Alimentação e o Cadastro Único (CadÚnico) - iniciativas basilares para a estruturação do PBF.

 

Separadas, no entanto, tais iniciativas eram pouco satisfatórias em termos de abrangência. “Sabíamos que os programas existentes não alcançavam grande parte das pessoas em situação de pobreza”, explica Osório. Da necessidade de corrigir esta deficiência, iniciou-se, a partir de 2003, um longo e multifacetado processo de junção das assistências existentes, acompanhado da expansão e do aprimoramento das medidas que foram unificadas sob o guarda-chuva do Bolsa Família.

 

Os anos que sucederam o lançamento do Bolsa Família foram marcados por dificuldades  para o Governo Federal. Uma das principais dificuldades foi garantir a eficácia na identificação e seleção das famílias mais necessitadas, para que os benefícios chegassem de maneira direta e efetiva. Dessa forma, a gestão e fiscalização do PBF também demandaram esforços para evitar fraudes e assegurar que os recursos fossem adequadamente direcionados.

 

Os citados exercícios de melhoria do Programa foram apoiados por atualizações periódicas no aparato do Cadastro Único. A ferramenta utilizada para a identificação e inclusão de famílias compatíveis com os critérios socioeconômicos determinava, na época,  o recebimento do benefício de R$ 50 para famílias com renda per capita de até R$ 50, conforme estabelecido pela Medida Provisória Nº 132/2003.

O então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em um traje social cinza, entrega um cartão a uma mulher de baixa estatura. Ela veste uma camisa branca com a inscrição 'Bolsa Família' em verde e uma saia vermelha. Ao seu lado, três pessoas, um menino e duas meninas, também vestem camisas semelhantes. Ao fundo, são visíveis três mastros com bandeiras, apenas uma facilmente identificada: a do meio, a bandeira do Brasil.

 

No livro Bolsa Família 15 anos (2003 - 2018), publicado pela Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) em 2018, Tiago Falcão Silva, Secretário Extraordinário para Superação da Extrema Pobreza e organizador da publicação, classifica o uso do Cadastro Único pelo Bolsa Família como uma ferramenta fundamental para a consolidação do Programa. Falcão também descreve a política como uma iniciativa apta a promover não apenas a inclusão, mas também a manter atualizados os dados dos inscritos, o que contribuiu para a análise da habilitação, concessão e repercussão aos benefícios do PBF. 

 

A importância estratégica do CadÚnico para a concessão do Bolsa Família tornou obrigatória a inscrição dos beneficiários no registro - uma das quatro contrapartidas verificadas pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) durante a concessão e as eventuais manutenções do repasse.

 

Com o apoio do Cadastro Único, Osório lembra que o Governo Federal finalmente teve espaço para dar um importante passo rumo à difusão do PBF: “de 2004 adiante, nos próximos quatro ou cinco anos, o Bolsa Família se preocupou muito com a expansão, ampliando o número de famílias que eram protegidas pelo Programa. Então, houve uma expansão muito rápida no início dos anos 2000 e, lá para 2007, 2008, começaram a ocorrer mudanças no sentido de primordialmente melhorar a gestão e torná-lo mais eficaz e efetivo, além de mais eficiente também”.

 

Essa transição revela a maturação nas políticas de assistência social, que sinaliza a importância não apenas da expansão quantitativa, mas também da otimização e aprimoramento qualitativo. Esse é o caso da inclusão de benefícios para jovens, que contam com a justificativa das dificuldades de ingresso no mercado de trabalho. Dessa forma, há um impacto mais positivo e sustentável na vida das pessoas atendidas pelo Bolsa Família.

FUNCIONALIDADES, GANHOS E CONTRAPARTIDAS

 

“Não é tão comum, na história do Brasil, uma política pública completar 20 anos de vida, né?”, reflete Marco Weissheimer, jornalista e autor do livro Bolsa Família: Avanços, Limites e Possibilidades do Programa que Está Transformando a Vida de Milhões de Famílias no Brasil, lançado em 2006.

 

O autor, que acompanhou de perto os anos iniciais do PBF, relembra que o benefício enfrentou o sério desafio de sobreviver às duras críticas tecidas em seus primórdios. Segundo ele, “o Bolsa Família foi batizado de ‘Bolsa Esmola’ e classificado como uma medida assistencialista debaixo daquela história de que [o benefício] dá o peixe e não ensina a pescar”.

 

Na visão do estudioso, as funcionalidades e as contrapartidas que caracterizaram o Programa desde a sua concepção foram fatores fundamentais para a sucessiva manutenção do PBF. “As famílias precisavam [e ainda precisam] cumprir algumas contrapartidas para seguir no benefício, principalmente em questões como educação e saúde. Essas duas funcionalidades foram determinantes para o sucesso do Programa”, avalia.

 

Seguindo uma linha de raciocínio parecida, Allison Diego, Secretário de Fazenda de Nova Lima e Mestre em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC - MG), aponta outra dimensão para a importância destes mecanismos como um motor estratégico para as engrenagens do PBF. “A política pública precisa ter essas contrapartidas para que ela realmente possa ser monitorada e para que seus os impactos na sociedade sejam plenamente monitorados”, afirma o Secretário.

A imagem apresenta ao fundo um painel branco com a inscrição “20 anos” e “Programa Bolsa Família” em preto, amarelo, vermelho, azul e verde. No primeiro plano, sete pessoas, vestindo roupas sociais, estão sentadas, aplaudindo. Da esquerda para direita: Margareth Dallaruvera, André Quintão, Ranniêr Ciríaco, Paulo Teixeira, Wellington Dias, Marina Silva e Miriam Belchior.

 

Adicionalmente, ao longo dos 20 anos, as exigências para a obtenção do Bolsa Família desempenharam um importante papel estratégico para a manutenção do nível do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) brasileiro, que se mantém acima dos 700 pontos desde 2006, conforme apontam dados divulgados pelo portal Country Economy. A linha marca a ascensão do Brasil do nível médio de IDH para o nível alto. 

Regras desenvolvidas pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Humano (Pnud), órgão responsável pela mensuração global do IDH, estabelecem que os critérios observados para o cálculo são: a expectativa de vida dos habitantes de uma determinada nação, medida pelo acesso à saúde; o acesso global à educação; e o padrão de vida, medido pela Renda Nacional Bruta (RNB) per capita expressa em poder de paridade de compra (PPP) constante.

 

Desde o início do PBF, algumas das contrapartidas e exigências verificadas pelo Programa durante o processo de concessão do benefício estiveram diretamente ligadas aos índices aplicáveis à mensuração do IDH. Na avaliação de Marco Weissheimer, a combinação destes elementos foi crucial para que o Bolsa Família pudesse começar a exercer as funções para as quais foi desenhado, cobrindo lacunas como o acompanhamento médico e social de crianças, algo antes inexistente.

DÉCADA DE 2010: UM PERÍODO DE AJUSTES

 

Rafael Osório lembra que o início da década passada foi marcado pela atualização do Cadastro Único, mecanismo estratégico definido pelo Governo Federal como um grande mapa das famílias de baixa renda no Brasil: “esta nova versão era muito mais avançada em termos de operação e das informações coletadas das famílias em comparação às versões anteriores”.

 

Dando continuidade à lógica de expansão iniciada em 2006 e de posse de um sistema mais eficaz para mapear famílias em situação de pobreza, o Governo lançou o Plano Brasil sem Miséria (BSM) em junho de 2011. Com o objetivo de ampliar o escopo do Bolsa Família, o projeto revisava a distribuição do benefício para que o montante chegasse às famílias que não recebiam o repasse, mesmo se enquadrando nas regras do benefício. 

 

Este trabalho exigiu a ação conjunta entre IPEA e Ministério do Desenvolvimento, Assistência Social, Família e Combate à Fome, que trouxe um panorama analítico crucial para a precisão da distribuição do benefício. “À época, tínhamos uma discussão muito forte com o Ministério de Desenvolvimento Social, e apontamos que um dos obstáculos para tornar o Bolsa Família mais efetivo era conseguir trazer para o Programa pessoas em uma faixa de pobreza que lhes permitiria participar do PBF, mas que ainda não estavam incluídos. Assim começaram os esforços de busca ativa”, narra Osório.

 

Por sua abrangência nacional e perene, bem como por seu escopo de objetivos e funcionalidades destinadas a garantir o bem-estar social e o acesso a direitos básicos dos beneficiários, o Bolsa Família pode ser descrito como uma política pública concreta, conforme conceitua Allison Diego, gestor público e Secretário de Fazenda de Nova Lima (MG).

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Gestor público e Secretário de Fazenda de Nova Lima (MG)

Allison Diego

A presidente Dilma Rousseff está do lado direito da imagem, trajando uma blusa vermelha e uma calça preta. Ela está posicionada atrás de um microfone e um púlpito que contém o logo da sua gestão, com os dizeres 'Governo Federal, Brasil, País rico é país sem pobreza'. Ela sorri e suas mãos, juntas, parecem bater palmas. Ao lado esquerdo da imagem, várias pessoas, a maioria vestida com roupas sociais, estão sentadas, sorrindo e batendo palmas. Ao fundo da imagem, é possível ver um painel na cor branca. Na parte esquerda dele, é possível ler 'Programa' (escrito em preto) e 'Renda Melhor' (escrito em azul). Na parte direita do mesmo painel, acima, encontram-se os logos do plano Brasil sem Miséria, da prefeitura e do governo do Rio de Janeiro e do governo federal. Abaixo, em grandes dimensões, há uma foto de uma mulher negra de pele clara carregando um bebê ao lado de uma criança.

 

Em 2013, o Bolsa Família recebeu o Prêmio para Desempenho Extraordinário em Seguridade Social (Award for Outstanding Achievement in Social Security), conferido pela Associação Internacional de Seguridade Social (ISSA). A honraria reconheceu o sucesso do Programa no combate à pobreza e na promoção dos direitos sociais dos brasileiros em situação de vulnerabilidade econômica.

 

Mesmo assim, Osório se lembra da dificuldade enfrentada em meados de 2014 para a liberação de verbas adicionais para o PBF, um passo considerado fundamental para a melhoria da assistência. “As pessoas pensam no período do Governo Dilma como um período de expansionismo da política social, mas o Bolsa Família não tinha tanto recurso assim”, reflete.

 

Isso se dava, principalmente, pela dificuldade de expandir o orçamento destinado ao Programa. “A gestão do PBF tinha que ser criativa para conseguir um orçamento adicional. Eles conseguiam na briga com o Tesouro melhorá-lo, tentando fazer isso por melhorias no desenho do benefício, ou seja tentando criar um esquema de benefícios que fosse mais eficaz”, enfatiza.

 

Para Osório, não restam dúvidas de que os resultados observados após a idealização do BSM foram impulsionados pela transformação dos sistemas de busca e análise. “O Estado brasileiro tinha um instrumento formidável para combater a pobreza, se quisesse, porque uma das coisas mais difíceis no mundo ao se fazer um plano de combate à miséria é identificar os pobres e cadastrá-los para fazer a transferência ou oferecer qualquer outro tipo de serviço ou ação que não seja a transferência”, avalia.

 

O pesquisador explica que o Cadastro Único se tornou uma ferramenta de focalização dos programas sociais, suprindo a necessidade não apenas de saber onde pessoas necessitadas ao benefício estavam, mas também de identificá-las e cadastrá-las, aumentando a efetividade do PBF.

 

Dilma Rousseff (PT), ex-presidente do Brasil, enfrentou um processo de impeachment em 2016, devido às acusações de violação à lei orçamentária e por improbidade administrativa, destacando-se as chamadas "pedaladas fiscais". Essa prática consistia em atrasar intencionalmente o repasse de recursos para bancos federais e para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), permitindo o financiamento de programas sociais, como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida, e subsídios para os juros do Plano Safra. No entanto, esse método para apresentar equilíbrio nas contas públicas violou as normas fiscais e orçamentárias, uma vez que os repasses deveriam ocorrer de forma regular e de maneira transparente. 

 

As "pedaladas fiscais" também ocorreram durante o governo de Michel Temer (PMDB, 2016-2018), que assumiu a presidência após o afastamento de Dilma. No entanto, as consequências para Temer foram distintas, indicando uma abordagem diferente em relação ao mesmo problema, embora as práticas em questão tenham sido similares. O Tribunal de Contas da União (TCU) identificou irregularidades nas contas do governo relacionadas à pedaladas fiscais. 

 

Após dois meses de mandato, o então presidente realizou o que foi chamado pelo Governo de “o maior pente-fino da história do Bolsa Família". Cerca de 543 mil beneficiários foram cortados do Programa, porém sem aviso-prévio e sem a notificação de recadastro. Além disso, Temer realizou um novo reajuste no PBF, um aumento médio de 12,5% do benefício. 

 

Rafael Osório

Ninguém vai fazer política pro Brasil sentado num gabinete em Brasília com base de dados e aplicativo de celular”. 

Apesar do reajuste, feito para mostrar à população a preocupação do Governo com as políticas públicas e sociais, o novo valor não foi o suficiente para cobrir a necessidade das demandas, devido à crise econômica que teve início em 2014 e que, até aquele momento, não havia sido superada. Sobre esse contexto, Osório destaca: “embora tenha havido alguns ajustes durante o Governo Temer, [reajustes] não foram suficientes para repor toda a perda causada pela inflação. Então, o Programa foi ficando para os pobres cada vez mais pobres, diminuindo a cobertura num período em que a crise econômica estava fazendo as pessoas ficarem mais empobrecidas, e o benefício também foi caindo”.

“FIM” SEM FINAL

 

Jair Bolsonaro (PL) assumiu a presidência do Brasil em 1º de janeiro de 2019, após vencer o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), Fernando Haddad. Desde o início de seu mandato, Bolsonaro fez alguns movimentos para desvencilhar a imagem do PT de algumas políticas sociais e, uma delas, foi o Bolsa Família.

 

Durante sua carreira como deputado federal, Jair Bolsonaro fez comentários negativos e fortes críticas ao Programa, chegando, inclusive, a chamar o benefício de “Bolsa-Farelo”. Além disso, ameaçou acabar com o PBF, caso fosse eleito presidente, o que cumpriu parcialmente.

 

Entretanto, a dinâmica mudou com a eclosão da Pandemia da Covid-19, em 2020. Nesse cenário de crise, o Congresso reagiu e se movimentou para aprovar, com rapidez, o Auxílio Emergencial (AE). 

 

Esta medida surgiu com o objetivo de mitigar os impactos econômicos da pandemia. O pesquisador Osório classifica os episódios seguintes do desempenho deste benefício como “super paradoxais”, uma vez que foi num momento de crise extrema que o Bolsa Família e, consequentemente, o AE tiveram maior efetividade, eficácia e impacto: “quando todo mundo tava sofrendo uma crise, quando as famílias de classe média estavam perdendo os seus empregos, as pessoas estavam passando por uma dificuldade extrema, os pobres do PBF estavam recebendo uma transferência como eles nunca tinham recebido a vida inteira de repente, foi para a média de 13 dólares por dia, um valor assim como nunca tinha acontecido antes na história”.

Jair Bolsonaro, vestindo um terno preto com gravata listrada em tons de verde claro e escuro, está posicionado em frente a um microfone. Ao fundo, à sua esquerda, é possível ver a bandeira do Brasil. No centro, um fundo azul com estrelas brancas, e à sua direita, a bandeira-insígnia da Presidência, verde com um brasão contendo as cores azul, branco, verde, amarelo e vermelho.

Em coletiva de imprensa, Jair Bolsonaro anuncia o Auxílio Emergencial válido por 3 meses, a partir de abril de 2020, para assistir financeiramente a população durante a pandemia de Covid-19. Foto: Carolina Antunes/Agência Brasil

 

O AE funcionou de forma diferente para seus três públicos: as pessoas que participavam do Bolsa Família; as que estavam cadastradas no Cadastro Único, mas não participavam do PBF; e os trabalhadores informais que podiam receber o benefício, mesmo com a ausência destes cadastros. No entanto, o Auxílio Emergencial funcionou de forma muito positiva para os beneficiários do PBF, como uma “resiliência ao choque” ocasionado pela pandemia. 

 

No dia 2 de dezembro de 2021, o Senado Federal aprovou a Medida Provisória 1061/2021 que instituiu o Auxílio Brasil (AB) como programa substituto do Bolsa Família. Esse movimento foi uma medida estratégica do governo Bolsonaro para, enfim, tentar deixar um legado social positivo e criar um capital político. 

 

Para Marco Weissheimer, apesar das críticas tecidas ao Programa, a cúpula bolsonarista se esforçou para preservar a essência do PBF.

Marco Weissheimer

Eles não acabaram com o Programa, mudaram de nome. Fizeram uma maquiagem aqui e ali, mas mantiveram o Programa pelo que ele significa hoje para a sociedade brasileira, o que ele foi desde o início”.

 

Após um quadriênio de incertezas e mudanças, a lógica de preservação citada por Weissheimer também foi utilizada em 2023, ano politicamente marcado pelo retorno de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República, quando o Governo lançou o Novo Bolsa Família em substituição ao Auxílio Brasil. Impulsionado pelas alterações propostas pelo regulamento do AB, sobretudo no que diz respeito ao aumento do benefício. Dados disponibilizados pelo MDS indicam que o valor médio repassado às famílias ao longo do ano foi de R$ 670,36, chegando a atingir R$ 721,88 - os maiores valores em 20 anos de Programa.

O QUE O BOLSA FAMÍLIA NÃO FEZ?

 

O terceiro artigo da Lei 14601/2023, dispositivo legal que regula o Programa Bolsa Família, estabelece os três objetivos principais a serem alcançados pela iniciativa: combate à fome, contribuição para a interrupção do ciclo de reprodução da pobreza entre as gerações e a promoção do desenvolvimento e da proteção social das famílias, especialmente das crianças, dos adolescentes e dos jovens em situação de pobreza.

 

O primeiro destes objetivos foi alcançado em 2014, quando o Relatório de Insegurança Alimentar no Mundo, divulgado anualmente pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), apontou que o Indicador de Prevalência de Subalimentação no Brasil havia chegado a um nível menor que 5%, um indício de que o país havia superado o problema da fome. No entanto, em 2022, o país voltou ao mapa da fome, com 33 milhões de pessoas sofrendo diariamente com a chaga, segundo a ONU.

 

Adicionalmente, o PBF ainda não chegou perto de resolver os problemas sugeridos pelos outros dois objetivos. Dados divulgados pelo IPEA no artigo Os Efeitos do Programa Bolsa Família Sobre a Pobreza e a Desigualdade: Um Balanço Dos Primeiros Quinze Anos de Pedro H. G. Ferreira de Souza, Rafael Guerreiro Osório, Luis Henrique Paiva e Sergei Soares, publicado em 2019, apontam que embora a cobertura do PBF esteja estabilizada em torno de 60% do quinto mais pobre da população desde 2012, 64% dos beneficiários que estavam extremamente pobres antes do repasse permaneceram nesta mesma condição após a transferência.

 

Conforme apontado pelo IPEA, a persistência da pobreza é atribuída ao fato de que a renda das famílias em situação de vulnerabilidade, antes das transferências, provém do trabalho de seus membros, frequentemente em empregos informais ou por conta própria, caracterizados por rendimentos variáveis e ausência de estabilidade. Essa instabilidade na fonte de renda das famílias mais carentes resulta em maior volatilidade, acarretando consequências adversas para a eficácia e os resultados de programas específicos de repasse de renda.

 

Um cenário semelhante se estende à promoção do desenvolvimento e da proteção social das famílias em situação de pobreza, o terceiro objetivo proposto pela Lei 14601/23. Para Kênia Augusta Figueiredo, Assistente Social e professora do Departamento de Serviço Social e da pós-graduação em Política Social da Universidade de Brasília (UnB), o Bolsa Família tende a ser limitado por sua própria natureza, uma vez que o repasse acontece, mas sem a garantia de mudanças financeiras no núcleo familiar.

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Assistente Social e professora do Departamento de Serviço Social da UnB

Kênia Augusta Figueiredo

 

O que vem pela frente? Para Osório, a resposta passa pela palavra evolução, uma que poderá ser vista não apenas nos números que descrevem a realidade crua do Programa, mas também na qualidade de vida das famílias que poderão ascender a existências mais dignas com o apoio da política pública. 

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