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Cinco peças de roupas estão penduradas em um varal na Ocupação Chico Rei, uma delas é uma camisa vermelha com o símbolo do coletivo: uma mão de punhos fechados que representa luta e resistência. Ao fundo, é possível avistar um pouco do céu - azul e com algumas nuvens - e da copa de uma árvore.

À MARGEM DA MARGEM

Dificuldades institucionais e sociais impossibilitam o acesso de possíveis beneficiários ao Bolsa Família

Foto: Johan Pena

Igor Silveira, Isadora Souza, Johan Pena e Tulio Dutra

Março de 2024

 

O Programa Bolsa Família (PBF) abrange todos que precisam? Em teoria, a resposta seria sim. Na prática, a existência de critérios, como a renda máxima per capita formal de até R$218, comprovada por documentos, delimita os destinatários e gera exclusões.

Para efeito de comparação, famílias que possuem a renda per capita pouco acima da faixa de atuação do programa já não entram nos critérios. Se uma unidade familiar ganhar R$ 50 a mais do que o critério de seleção, ela não se enquadra no grupo apto a receber o benefício. Ao mesmo tempo, a família sofre as dificuldades da baixa renda, assim como os beneficiários do Bolsa Família.

Outro fator que interfere na abrangência do Programa é a existência de conjuntos familiares que não conseguem realizar o levantamento de documentos necessários para adentrar ao Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), o sistema federal que integra as informações sobre as famílias brasileiras em situação de pobreza e extrema pobreza.

O CadÚnico está presente em todos os municípios dos 26 estados do país, e no Distrito Federal. Os dados recolhidos são necessários para implementação de diversas políticas públicas nas esferas federais, estaduais e municipais, não sendo usados somente para o Bolsa Família.

Os motivos das dificuldades relacionadas ao levantamento de documentos podem ser variados: falta de alfabetização, pouco acesso à informação, distância e obstáculos geográficos em relação ao Centro de Referência de Assistência Social (CRAS - Unidade responsável pelo cadastramento da população no CadÚnico) mais próximo. Condições que, de maneira geral, atingem famílias em situações vulneráveis.

Um homem usa uma camiseta preta, um boné preto com um óculos cinza acima e um relógio no pulso esquerdo. Ele está sentado em uma cadeira, no meio de um gramado, com os braços cruzados e encara a câmera.

Ismael da Silva, que não recebe o Bolsa Família por problemas de documentação, tem no Centro Pop de Mariana (MG) um ponto de apoio.

Foto: Isadora Souza

 

Essa é a situação vivida por Ismael da Silva, 37, usuário do Centro de Referência Especializado para População de Rua (Centro POP) em Mariana (MG) e não beneficiário do Bolsa Família. Ele conta que a falta de documentos pessoas prejudica sua inserção no Programa:

Ismael da Silva

não conhecia nenhum programa como o Bolsa Família e não consegui me inscrever por causa do documento, estou sem meu RG e também não sei me inscrever”.

 

Ele ainda destaca que só soube da existência do Programa por terceiros e afirmou que o benefício faz falta em sua vida: “eu descobri o Programa ouvindo outras pessoas conversando e falando que receberam. Não receber hoje me afeta em muitas coisas, comprar roupas e alimentos, principalmente para quem está vivendo na rua, poderia usar esse valor para alugar um lar e viver como todo ser humano merece”.

Segundo Guilherme Augusto dos Santos, coordenador do PBF em Ouro Preto (MG), essas questões dificultam os processos do Programa no município, além de outras situações que atrapalham o acesso das pessoas ao Bolsa. “Primeiramente, o fato do Governo Federal anterior retirar os critérios para entrada no Programa causou uma forte onda de novos beneficiários, que de maneira irregular se aproveitaram das lacunas criadas”, explica. 

O coordenador aponta que outras questões nasceram na pandemia de Covid-19, quando, por necessidade, as pessoas voltaram os olhares para benefícios sociais e se viram aptas a receber. Isso se deu com destaque para unidades familiares compostas por apenas uma pessoa. “Com as famílias unipessoais - que como o próprio nome diz, são famílias compostas por apenas uma pessoa - houve o aumento de beneficiados na cidade [Ouro Preto]. Além disso, houve o retorno do país ao mapa da fome, junto com o empobrecimento médio da população brasileira”, analisa.

NÚMEROS REFLETEM A DESIGUALDADE

 

Segundo dados confirmados através do relatório “O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição do Mundo”, publicado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), e realizado entre os anos de 2020 e 2022, 10,1 milhões de brasileiros estavam em situação de fome. Outros 21,1 milhões se encontravam em condições de insegurança alimentar grave, ou seja, podendo faltar comida durante um dia ou mais.

Todos esses números culminaram com a volta do Brasil para o mapa da fome no ano de 2022, como levantado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e apontado por Guilherme. Cerca de 33 milhões de brasileiros passam fome todos os dias e não têm certeza de quando será sua próxima refeição, esse número está acima da média mundial, apontam os dados.

Esse levantamento reflete o contexto de desigualdade atual do Brasil e demonstra que políticas públicas de auxílio à população como o Bolsa Família são de extrema importância, pois garantem uma transferência de renda que pode ser usada para itens básicos e alimentação. O Programa, que foi substituído pelo Auxílio Brasil em 2021 e 2022, retornou em 2023, seguindo critérios originais para inserção de beneficiários. 

Além de retornar as condicionantes para a manutenção dos cadastrados, foi possível perceber números homogêneos no total de atendidos comparando-se municípios, mesmo em regiões distintas do país. De acordo com os dados disponíveis no site Aplicações e Cidadania” do Governo Federal, cidades com aproximadamente 70 mil habitantes apresentaram, em dezembro de 2023, números próximos em relação aos atendidos pelo Bolsa Família. 

Segundo informações de Guilherme, coordenador do PBF em Ouro Preto, os números estão na média nacional. O município, de 74.821 habitantes, possui cerca de 12 mil cadastros no CadÚnico, 5.002 famílias atendidas, totalizando 13.684 pessoas, recebendo um valor médio de R$664,64 por família. De acordo com Guilherme, esses números provam o bom desempenho do Bolsa Família na cidade, em comparação com a quantidade de cadastros e número total da população.

No primeiro plano, à direita, um homem negro careca, que usa óculos de grau, veste uma camisa cinza e uma calça azul, ajuda uma mulher negra em sua pintura. A mulher, de cabelos pretos, presos em um coque, está sentada em um banco verde, diante de uma mesa também verde, e pinta uma peça com tinta vermelha. Ao fundo, em uma parede branca, há uma ilustração de pessoas subindo degraus com balões na mão. Em cada degrau há inscrita uma palavra de apoio, como "motivação"e "confiança" . No último degrau, uma seta aponta para cima. À esquerda, a palavra “evolução” está gravada em grandes proporções. Encostada na mesma parede, está uma placa preta com bordas vermelhas com “Centro POP” escrito em branco.

O Centro POP de Ouro Preto (MG) atualmente atende 121 pessoas, com a totalidade de seus usuários assistidos por algum tipo de programa do Governo.  Foto: Isadora Souza

 

Luciana Andreia de Jesus Silva, assistente social e parte da equipe técnica do Centro POP de Ouro Preto, explica que a realidade dos usuários da instituição é bem favorável, já que praticamente todos os frequentadores do espaço recebem auxílio: “no momento, nosso universo de atendidos gira em torno de 121 pessoas frequentes no Centro POP de forma mais ativa e todos eles recebem algum auxílio, sendo o Bolsa Família ou o Benefício de Prestação Continuada (BPC)”.

FRAUDES E DIFICULDADES

 

Fraudes cadastrais são os principais desafios estruturais do Bolsa, gerando um efeito cascata. Famílias recebendo de forma irregular tiram as vagas de potenciais beneficiários do Programa.

Um dos casos que ficou conhecido nacionalmente durante a pandemia de Covid-19 foi o do então candidato à Prefeitura da cidade de Itapuca (RS), Kinho Pancotte (PL). Mesmo tendo declarado para a Justiça Eleitoral possuir mais de R$8 milhões em bens no seu nome, fez a solicitação do Auxílio Emergencial, pago para pessoas que comprovadamente estavam em situação de vulnerabilidade durante a pandemia. Em sua defesa, Kinho afirmou que, como o benefício era estendido para produtores rurais, ele se sentia no direito de receber, já que teria uma grande perda em sua safra.

O Portal da Transparência do Governo Federal aponta que o produtor rural chegou a receber, entre os meses de maio e agosto de 2020, cerca de R$1800 em auxílios, que posteriormente foram devolvidos, por meio de um boleto, à União.

Quando o assunto é Bolsa Família, situações semelhantes já ocorreram. Nilde Ferreira (PT), então candidata a vereadora em Paraíso do Tocantins (TO), apresentou à Justiça Eleitoral um total em bens declarados de cerca de R$1,25 milhão em 2018, e mesmo assim sacou parcelas de R$212 do Programa entre os meses de janeiro e março do mesmo ano, além de ter sacado o benefício novamente em 2019.

A situação de fraude e exclusão é descrita por Jeferson Jonas da Costa Pereira, 27, que se encontra em situação de rua e utiliza os serviços da Casa POP da cidade de Mariana: “eu mesmo estava em Ouro Preto ano passado [2022] e vi uma mulher dentro de uma Hilux ligando para saber se a ajuda dela tinha caído. Se investigar melhor, vai ajudar muita gente que precisa receber o Bolsa Família. Seria uma ajuda muito bem-vinda, porque eu estou desempregado, me ajudaria a voltar a pagar um aluguel por exemplo”.

Ele destaca outros pontos negativos sobre a divulgação do Programa, como a falta de informação e critérios. “Fiquei sabendo que existia auxílio pelo Facebook e pelo Kwai e acho que eles deveriam olhar direito quem precisa. Eu nunca consegui o Bolsa Família e até na época do Auxílio Emergencial demorou para aprovar. Como eu tinha saído de um serviço fichado, as duas primeiras parcelas eu não recebi e quando chegou, foram só três parcelas e depois fiquei sem ajuda nenhuma”, conta.

Em comunicado emitido pela Secretaria de Comunicação Social, no site oficial do Governo Federal, em 2023 foram cancelados cerca de 3,7 milhões de cadastros no Bolsa Família, levando em conta indicações para corrigir distorções apontadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

O coordenador do PBF em Ouro Preto, Guilherme Santos, relata que o setor de assistência social do município, a exemplo da esfera federal, tem focado em ações semelhantes, o que ele chamou de “pente fino”. 

Em 2023, o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) Volante foi inaugurado no município. Essa unidade móvel do CRAS é capacitada para levar os serviços de assistência até os locais mais afastados da sede, aproximar os possíveis beneficiários de informações dos meios para inscrição no CadÚnico, além de conferir informações de cadastrados in loco, evitando fraudes e tornando os dados mais precisos.

Guilherme Santos
 

O objetivo é evitar fraudes e consequentemente abrir novas vagas no Programa. Essa validação está sendo feita através de visitas às famílias cadastradas para averiguação das informações fornecidas”

SE O PROGRAMA NÃO CHEGA, QUEM CHEGA?

 

Edvaldo Rocha é assistente social de formação e atualmente secretário de Desenvolvimento Social e Cidadania de Ouro Preto. Ele explica que o CRAS possui diversas ações além do Bolsa Família. A atuação deste centro de referência vai desde o pagamento de dívidas até aluguéis sociais, auxiliando a população em outras áreas além do Programa.

 

Rocha faz um panorama da situação: “o modelo capitalista que vivemos sempre passa por crises, gerando desemprego em massa e causando o empobrecimento de grande parcela da sociedade, isso no mundo inteiro, inclusive em um país com altos índices de desigualdade social como o Brasil”. Para Edvaldo, todo esse cenário contribui de forma significativa para o aumento do número de pessoas necessitadas de programas sociais como o Bolsa Família. Como consequência, o desafio para obtenção de recursos que possam custear essas iniciativas fica ainda maior, limitando o acesso à políticas públicas, impossibilitando que o estado ampare melhor a população.

Uma mulher negra de cabelos pretos está na porta de sua casa. Ela usa uma camiseta vermelha com o símbolo de luta do movimento da ocupação Chico Rei e um short rosa. Ela sorri para a foto e faz o gesto de luta com as mãos, com o punho fechado e erguido.

Elaine Cristine de Carvalho, que encarou dificuldades com o cadastro no Programa e perdeu acesso ao Bolsa Família, conquistou uma casa na ocupação Chico Rei, onde vive há seis meses.  Foto: Johan Pena

 

Elaine Cristine de Carvalho, 28, atualmente se dedica às funções do lar e é residente da Ocupação Chico Rei, terreno ocupado atrás da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Dom Orione, em Ouro Preto. A Ocupação é um coletivo de luta com o propósito de conquistar terras seguras, habitação digna e educação de qualidade para a população menos favorecida da região. Eliane, que há cerca de três meses não recebe o Bolsa Família, explica:

vim parar aqui muito por conta da necessidade. Eu e o meu marido ficamos desempregados e pagando aluguel, e tivemos que escolher entre morar numa casa ou comer. Na pandemia, principalmente, as coisas ficaram caras demais, o emprego estava difícil e até hoje isso ainda permanece na cidade”.

Eliane de Carvalho
 

 

Atualmente, apenas o marido de Eliane está trabalhando, e sem carteira assinada. Ele atua como servente de pedreiro e ganha um salário mínimo. Esse valor nem sempre é o suficiente para as despesas, mas a situação melhorou sem o gasto mensal do aluguel. Eliane buscou auxílio do CRAS para regularizar o cadastro, mas apesar de possuir a documentação necessária, não teve sucesso: “falaram que estava bloqueado [o cadastro] e que não dava para fazer de novo”.

Imagem do Terreno da ocupação Chico Rei em que podemos ver 7 casas simples, de madeira, e tijolos, sem reboco, alinhadas à esquerda, à direita e ao fundo da imagem, e ao centro uma grande parte de chão de terra batida ocupa a imagem.

A Ocupação Chico Rei, localizada no bairro Saramenha em Ouro Preto (MG), auxilia uma parcela de ouropretanos que não têm acesso a programas como o Bolsa Família.  Foto: Túlio Dutra

 

Edmara Aparecida Correa, 22, cuida das tarefas domésticas e é moradora da Ocupação Chico Rei. Ela relata ajuda vinda de outros lugares, “toda quinta-feira a Igreja Universal faz cultos aqui na ocupação e quem quiser pode participar. Geralmente, eles ajudam com cesta básica e roupas”.

A dona de casa destaca que pessoas da Ocupação também recebiam assistência da Igreja Católica por meio da Paróquia Cristo Rei. Entretanto, essa ajuda foi paralisada nos últimos meses e somente pessoas já cadastradas na paróquia continuarão recebendo os auxílios quando a situação estiver normalizada.

Na busca por melhorar esse cenário desigual, existe, na Região dos Inconfidentes, a organização comunitária Rede Ouro Preto. Uma instituição sem fins lucrativos, que faz campanhas para arrecadação de alimentos, roupas, itens de higiene e móveis, destinando as doações para famílias em situação de vulnerabilidade. Essas ações são realizadas por meio de parcerias com empresas públicas ou privadas da região, que aderem à causa.

ADVERSIDADES ECONÔMICAS E ESTRUTURAIS

 

André Mourthé de Oliveira, professor de Economia na área de história econômica e economia do trabalho da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), aponta falhas do PBF, principalmente no quesito econômico.

André Mourthé
 

Em um país de dimensões territoriais gigantescas [como o Brasil], os desafios são extremamente complexos. Com a retirada dos critérios e as ingerências feitas no Programa nos anos do governo Bolsonaro, ele perdeu bastante; sua eficácia era maior, mesmo com valores menores”.

 

Atualmente, os valores recebidos pelas famílias estão mais encorpados. Segundo dados do Governo Federal, o valor médio do benefício chegou a R$681 em dezembro de 2023. Ainda segundo o levantamento, São Paulo é o estado com o maior número de beneficiários. São 2,6 milhões de famílias recebendo, em média, R$676,80.

A região Sudeste é a 2ª região com mais grupos contemplados pelo Bolsa no país, contando com mais de seis milhões de unidades familiares beneficiadas. Em 1º lugar está a região Nordeste, que conta com mais de nove milhões de beneficiários do Programa. 

Ele também descreve que esses indicadores geram um processo que pode ser entendido como um êxodo econômico forçado. Segundo o professor, as populações de baixa renda no país têm uma tendência maior a procurar outras regiões, em busca de melhores oportunidades.

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Professor do Departamento de Economia da UFOP

André Mourthé de Oliveira

 

Os números refletem a realidade vivida por Edmilson Conceição Santos, 62. Nascido na cidade de Salvador (BA), ele se mudou para a região Sudeste em busca de mais oportunidades. Entretanto, uma mudança de região nem sempre é garantia de melhores condições. Atualmente, Edmilson é beneficiado pelo Centro POP na cidade de Mariana. “Eu e minha esposa temos renda menor que um salário e meio; e nunca conseguimos receber o Bolsa Família. Todas as nossas contas, inclusive o aluguel, eram pagas com essa renda”, conta.

Um homem negro usa um boné verde e uma camiseta azul com inscritos em amarelo: “Metee-or”. Ele está em uma área gramada, na qual se avista parte do tronco de uma árvore.

Edmilson Conceição Santos mora no Centro POP de Mariana (MG) desde agosto de 2023, quando se mudou da Bahia em busca de melhores condições de vida.  Foto: Isadora Souza

 

Edmilson conta que sua vinda da Bahia para Minas Gerais tem a ver com a falta de oportunidade e questões sociais, mas esses aspectos continuaram o assombrando em um novo estado.

Edmilson Santos
 

O Nordeste sempre sofre mais. Infelizmente, temos que nos jogar no mundo para sobreviver. Lá falta emprego e quase não temos renda. Se não fosse o Centro POP estava muito difícil. Quando cheguei aqui comecei morando na rodoviária”.

 

Pedro Ferreira de Souza é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e acompanha de perto a manutenção e evolução do Programa desde 2009. Para ele, a primeira coisa que se pode comemorar nesses anos de PBF é a sobrevivência do Programa. “Mesmo com a mudança de nome que ocorreu e agora sua volta às origens, ele já está consolidado. Não acredito que nenhum presidente acabe com o Bolsa Família”, explica.

Atualmente, Pedro atua na Coordenação de Estudos e Pesquisas de Gestão de Informações e de Estudos sobre Pobreza e Desigualdade Social (COIPD) do IPEA. O setor realiza pesquisas e monitoramentos sobre pobreza e renda no país. Segundo ele, a consolidação dessa política pública [o PBF] não parecia ser algo óbvio desde a sua criação, porque os primeiros anos foram difíceis, existindo muita oposição política e social, além de todos os mecanismos de aprimoramento que naquele momento não existiam.

O professor aponta as diferenças no Bolsa Família após completar 20 anos de existência: “justo agora que ele volta a se chamar Bolsa Família, o Programa completa duas décadas, mas com um orçamento quase seis vezes maior em relação à 2018. Algo difícil de imaginar que vá ser revertido a médio e longo prazo. Tudo isso, claro, vai trazer novos desafios, mas também vai contribuir muito mais na diminuição das desigualdades”.

Pedro deixa clara a função do Programa como um meio de transferência de renda e de diminuição da pobreza. Segundo ele, o Bolsa Família não é e nem foi criado para resolver o cenário de desigualdade que o Brasil apresenta, já que o país enfrenta diversos desafios relacionados a questões de saúde, emprego, moradia e saneamento básico, por exemplo. “É óbvio que existem erros e problemas, mas no geral o Programa chega em quem realmente precisa dele. Principalmente em comparação internacional. Vemos como ele é grande e bem focalizado, dando um bom nível de proteção para muitas famílias”, enfatiza.

Ele descreve o PBF como parte de uma engrenagem precisando de outras políticas que trabalhem em consonância:

Por si só o Programa não vai revolucionar o mundo, talvez nenhum mecanismo consiga fazer isso sozinho e seria injustiça cobrar do Bolsa isso. Acho que a pergunta que fica é a seguinte: se o Programa não existisse e se esse dinheiro fosse gasto em outras coisas, o Brasil estaria melhor? A resposta é: Não. Aliás deveriam existir outras políticas públicas parecidas”.

Pedro de Souza
 

 

O Bolsa Família foi bastante politizado nos últimos tempos, além de ser cercado de mitos e preconceitos em relação aos beneficiários. “Alguns falam que os beneficiados não vão mais querer trabalhar ou vão gerar vários filhos para ganhar mais benefícios. Ao contrário, o Programa deixa as crianças por mais anos na escola e aumenta o acesso a serviços como os de saúde. Lógico que isso não vai transformar as nossas escolas em colégios finlandeses ou deixar o SUS parecido com o sistema de saúde canadense”, ressalta.

Essa politização do Programa pode gerar desinformação e notícias falsas, afetando os possíveis beneficiados. Quem sentiu diretamente esse problema foi Amanilson Soares, 32, que utiliza as dependências do Centro POP em Mariana. Ele fala sobre os problemas com o Programa, como falta de informação: “Eu nem imaginava da existência do Bolsa Família. Eu fui pedir desconto na tarifa de água, cadastrei e o cartão chegou na minha casa. Nem acreditei. Isso tudo aconteceu no CRAS de Contagem (MG), em 2017. Eu nem sabia nada sobre o Programa”.

 Um homem pardo, que usa boné azul, uma camisa cinza e um short jeans, está em meio a um gramado, sentado em uma cadeira preta e encosta seu braço esquerdo no apoio do assento.

Amanilson Soares, originário de Contagem, é beneficiário do Bolsa Família desde 2017. Em 2019, quando teve o benefício temporariamente cancelado, esteve em situação de rua. Foto: Isadora Souza

 

Ele revela também que a mudança de poder no Governo Federal, em 2019, afetou o recebimento do auxílio. Mesmo com todos os relatórios da Assistência Social do CRAS de Contagem, ele foi excluído do Programa.

Quando perdi o benefício em 2019, isso afetou totalmente a minha vida. Eu estava morando em Ribeirão das Neves (MG), depois disso eu não tive mais como pagar aluguel; fui morar na rua, precisei acessar abrigos, serviços sociais, era muito humilhante porque nem sempre você é bem recebido”.

AMANILSON SOARES
 

 

Mesmo com as críticas e os problemas enfrentados nos últimos anos, Pedro Souza, coordenador do IPEA, comenta que PBF caminha bem: “existem esforços sérios para melhorar ainda mais o Programa; além de vários pontos, critérios e adequações que estão sendo retomadas principalmente depois da pandemia”.

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