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Para Todos Verem: Mão negra, que está apoiada em uma mesa branca, segurando um celular. Na tela é possível ler: “Comece sua terapia agora”. Atrás da mão, há um notebook em cima da mesa com a tela aberta no Google, exibindo resultado de pesquisa sobre a palavra “ansiedade”.

<foto> Vitória Lopes

Conectar o cuidado

Ferramentas disponibilizadas on-line podem ajudar na atenção com a saúde mental

Isabella Garcia e Vitória Lopes

[Outubro, 2024]

O filme “Divertida-mente 2”, que trata das emoções de uma personagem chamada Riley, estreou nos cinemas brasileiros em 20 de junho deste ano. A produção faturou cerca de R$362 milhões até a quarta semana de exibição, sendo a maior arrecadação de bilheteria do século no Brasil. No filme, a personagem “ansiedade" surge como uma nova emoção na vida de Riley, trazendo uma reflexão sobre a importância do autoconhecimento e autocuidado com a saúde mental. A ferramenta Google Trends aponta que as buscas pelo termo de pesquisa “ansiedade” aumentaram durante a semana de estreia, como resultado das questões que a produção provoca nos espectadores.

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua de 2022, 87% da população com 10 anos ou mais acessa a internet. A maior parte dos usuários realiza o acesso por meio do telefone celular e, principalmente, para realizar chamadas de voz ou vídeo. Dados do Google, fornecidos ao jornal "Estadão” em 2020, revelaram que as pesquisas sobre temas relacionados à saúde mental aumentaram 98% em comparação com a média dos dez anos anteriores no Brasil. Isso mostra que, com mais pessoas conectadas, o fluxo de informações também aumenta e que há um crescente interesse na busca por questões relacionadas a transtornos mentais.

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A pesquisa “Global Health Service Monitor 2023”, feita pela Ipsos, revelou que cinco em cada dez brasileiros - cerca de 52% dos entrevistados -, se preocupam com a saúde mental mais do que com questões como o câncer e a dependência química. Desde 2018, ano de início do monitoramento, a porcentagem de preocupação em relação ao tema aumenta no Brasil. Em 2023, cerca de 1000 pessoas responderam a pesquisa, que tem uma margem de erro de 3,5 pontos percentuais.

Outra pesquisa de 2023 mostra que saúde mental é um assunto urgente no país. De acordo com o relatório The Mental State of World, produzido pelo Global Mind Project, o Brasil é o terceiro país - em um ranking de 71, com pior índice de bem-estar mental, à frente apenas do Reino Unido e da África do Sul. Na pesquisa, um em cada três brasileiros relatam sintomas de transtorno mental. A escala utilizada, a “MHQ”, considera aspectos sociais, emocionais e cognitivos, no qual as pontuações vão de -100 a 200. O Brasil ficou na posição 53, enquanto países como República Dominicana, Sri Lanka e Tanzânia ficaram acima de 90.

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O teste aplicado via anúncios da internet foi respondido por 500.000 pessoas, em 13 idiomas. A avaliação contém 47 perguntas relacionadas a sentimentos e funções mentais, incluindo alguns sintomas que são comuns em transtornos. Os participantes podem escolher números de 0 a 9, de acordo com o que se identificam mais ou menos. Há também perguntas demográficas, de estilo e experiência de vida. Por considerar aspectos subjetivos e ser aplicado a uma parcela específica da população (a que acessa internet), os dados obtidos na pesquisa precisam ser contextualizados, pois, nem sempre refletem a real situação de um país.

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No relatório, os organizadores explicam que, em outubro de 2023, havia 5,3 bilhões de usuários de internet em todo o mundo, representando 65,7% da população global. Por outro lado, países emergentes possuem uma realidade de acesso diferente, atingindo camadas socioeconômicas distintas. No Brasil, conforme mostrado, o acesso à internet para pessoas acima de 10 anos é quase universal. Mas as condições desse acesso não são as mesmas. Um estudo feito pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC - BR), diz que apenas 22% dessa população que acessa a internet tem conectividade satisfatória.

A partir da pandemia de Covid-19, a busca por assuntos relacionados à saúde mental aumentou na internet, desencadeando também a procura por tratamentos.  “A consulta on-line começou na pandemia e veio para ficar”, afirma Mariana Reis, psicóloga que atua em São Paulo há oito anos e que começou a atender remotamente em 2020, por causa do isolamento social. Hoje, Mariana atende nas duas modalidades, que, em sua percepção, possuem a mesma eficácia, embora a teleconsulta não seja recomendada em todos os casos.

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Em sua pesquisa de mestrado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), Caio Monção, psicólogo, analisou o que significa a virtualidade no contexto atual, e como se dá a transferência nesse meio. Ela é uma ferramenta da psicanálise, abordagem na qual Caio orienta seu trabalho, e que diz respeito à relação formada entre terapeuta e paciente, primordial para o bom funcionamento do tratamento terapêutico.

"O que faz o tratamento dar certo não é o meio, é o processo terapêutico"

Caio Monção - psicólogo e psicanalista

Para que isso aconteça, é importante que o especialista demonstre estar atento aos sinais visuais e verbais do paciente e se comunique bem com ele, independente se o meio é virtual ou não. O profissional explica que o processo terapêutico ocorre quando o paciente consegue se expressar bem e estabelecer um vínculo com o terapeuta. A troca de confiança entre os dois é crucial para bons resultados.

O Conselho Federal de Psicologia (CFP) regulamenta a prática de teleatendimento desde 2018, quando os psicólogos que desejavam atender on-line precisavam se cadastrar em uma plataforma. Em abril de 2022, o Conselho Federal de Medicina (CFM) regulamentou a prática da telemedicina, definindo parâmetros de qualidade para as modalidades previstas: teleconsulta, teleinterconsulta, telediagnóstico, telecirurgia, telemonitoramento, teletriagem e teleconsultoria

[Teleconsulta como uma possibilidade]

A digitalização dos serviços de saúde, conhecida como “saúde digital”, e a popularização das plataformas on-line facilitam o acesso a terapias e outros atendimentos médicos remotos. Desde o distanciamento social imposto pela pandemia em 2020, a telessaúde é uma ferramenta bastante utilizada para atender a demanda por cuidados de saúde mental.

Para Maria Fernanda Melo, 20, estudante de Direito do Centro Universitário do Planalto de Araxá (Uniaraxá), a teleconsulta reduz custos de deslocamento e poupa tempo. Morando em Campos Altos (MG), Maria Fernanda teria que fazer uma viagem de quase cem quilômetros para chegar até o consultório que atende pelo seu plano de saúde em Araxá (MG). “Na teleconsulta, eu não preciso ficar na sala de consultório esperando. Quando o médico me liga, eu já estou em casa, não preciso me deslocar, e tenho um pouco mais de tempo”, relata. 

Desde 2016, Maria Eduarda Linhares, 20, estudante de Letras na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), faz tratamento psicológico. Ela começou seu tratamento com consultas presenciais. Quando se mudou para Mariana (MG), em julho de 2023, passou a ter atendimentos on-line por não encontrar uma profissional com um preço acessível na cidade. Entre as duas experiências, o on-line tem sua preferência. “Na maioria das vezes, faço a consulta do meu quarto. Então, eu posso ficar de pijama, ficar de coberta, e eu gosto porque eu fico na minha zona de conforto”, explica.

Para Todos Verem: Mulher negra de cabelo curto, óculos de grau e blusa laranja usa notebook na cama. Ela está sentada no meio da cama, entre travesseiro, celular, cobertores e mochila. Na parede, há pôsteres e prateleiras com personagens de animes.

Maria Eduarda Linhares se sente mais à vontade no seu quarto do que em um consultório. <foto> Vitória Lopes

Maria Eduarda Silva Bailon é psicóloga em Ouro Preto (MG) e começou a atender on-line em 2021, durante o estágio, ainda na graduação. Nesta fase, ela atendeu apenas duas pessoas no formato presencial, devido ao distanciamento social. O atendimento on-line faz parte da construção de sua carreira, sendo o atendimento presencial uma realidade posterior à sua formação. “A diferença que eu vejo é justamente o contato corpo a corpo, que não tem no on-line”, destaca.

Ela trabalha em alguns projetos sociais, como a plataforma digital Social Psico Afro, que tem como objetivo oferecer psicoterapia a preço social, e tem como protagonistas profissionais racializados. Maria Eduarda se autodeclara como mulher negra, e defende uma psicologia decolonial. Em suas palavras, é necessário considerar o contexto que o sujeito está inserido na sociedade, incluindo marcadores de classe econômica e raça.

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<foto> Isabela Garcia

Maria Eduarda Bailon

[Acesso e desigualdade social]

No início da pandemia, a Prefeitura de Belo Horizonte e a Unimed firmaram uma parceria na qual foi cedida a plataforma de consulta on-line da cooperativa. A ação beneficiaria toda a população da capital mineira que utilizava a rede pública de saúde. Maria Teresa Garcia Alves, médica de família e comunidade, que atende no Morro do Papagaio, localizado no bairro Santa Lúcia, percebeu que a iniciativa atingiu apenas a classe média da população. A maioria de seus pacientes não possuem letramento digital nem boa conectividade, o que limita o teleatendimento.

 "O maior dificultador é o acesso à tecnologia, que não é amplo para todos"

Maria Teresa Garcia Alves, médica de Família e Comunidade

No seu dia a dia, a médica não trabalha com teleconsulta. Ela explica que, na rede pública de Belo Horizonte, a modalidade é mais utilizada nos momentos de crise, como foi a pandemia da Covid-19 e o surto de dengue no início deste ano. “O que eu fiz durante a pandemia, quando o centro de saúde estava esvaziado e me dava angústia, foi comprar um chip e instalar WhatsApp Business para falar com meus pacientes”, conta. Até hoje, Maria Teresa utiliza o aplicativo para dar algumas orientações e enviar receitas para seus pacientes.

Samuel Rodrigues, 24, estudante de Letras da UFOP, ressalta a praticidade e o custo-benefício que uma consulta on-line pode oferecer, a partir de programas sociais que são oferecidos em plataformas digitais, como o Social Psico Afro. “Há alguns anos eu tinha vontade de fazer consulta psicológica, mas como era algo inacessível e são valores elevados para mim, um amigo me indicou essa plataforma em que psicólogos fazem atendimentos por um valor mais acessível”, comenta. Atualmente, Samuel paga um valor mensal de R$150 para sua psicóloga, com direito a uma consulta por semana.

Para Todos Verem: Homem branco, sentado em um banco de madeira, veste uma camisa cinza com detalhes em vermelho, escrito “LETRAS - UFOP”. Galhos de uma árvore estão próximos a ele. Ao fundo há janelas azuis em paredes brancas.

Samuel consegue acessar a plataforma Social Psico Afro e fazer terapia em qualquer lugar com internet.  <foto> Vitória Lopes

O preço social é um mecanismo que amplia o acesso à psicoterapia e possui validade. De acordo com Vanessa Santana, psicóloga fiscal do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais (CRP-MG), o profissional não deve fazer uma publicidade do seu serviço considerando o preço, já que isso poderia gerar uma concorrência desleal com outros profissionais. “Caso a(o) psicóloga(o) queira prestar um serviço por um valor social, esse preço deve ser acordado individualmente com cada usuário”, explica.

No Brasil, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) é o responsável por regulamentar e fiscalizar a profissão de psicólogo, junto dos Conselhos Regionais de Psicologia (CRP). Em casos de violação do Código de Ética da profissão ou exercício ilegal, o órgão deve, mediante denúncia, tomar as medidas cabíveis, como apresentar denúncia ao Ministério Público.

A psicóloga, Mariana Reis, destaca que um dos principais problemas são as plataformas que oferecem atendimentos a baixíssimo custo, sem fazer um levantamento socioeconômico dos clientes. Pessoas que poderiam pagar uma sessão por preço convencional acabam pagando por preço social. Em suas palavras, isso contribui para a desvalorização do profissional de psicologia, trazendo danos, inclusive, para os pacientes, que muitas vezes contratam um serviço de baixa qualidade. “É triste ver colegas fazendo um desserviço”, desabafa.

[Autodiagnóstico e acolhimento on-line]

Outro problema apontado por Mariana Reis é o aumento do autodiagnóstico pela internet. Ela defende que, com a facilidade de acesso, os usuários recorrem às ferramentas de buscas on-line para procurar informações sobre eventuais problemas de saúde, sem passar por um profissional qualificado.

"As pessoas estão se autodiagnosticando muito, é impressionante! Viram uma lista de sintomas no Google e se autointitulam [com transtornos]"

Mariana Reis, psicóloga

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<foto> Viviane Noia

Para Lara Nogueira, estudante de Serviço Social da Universidade Norte do Paraná (Unopar) no polo de Sete Lagoas, 26, a internet se tornou um espaço de esclarecimento, já que ela não entendia seus sentimentos. “Como a internet é acessível para mim, eu busquei várias vezes entender o que estava sentindo através dela e me identificando com vários sintomas”, conta. Depois de entender melhor o que sentia, Lara percebeu a necessidade de procurar um profissional de saúde mental, dando início ao seu processo terapêutico.

Mariana Reis

A psicóloga Maria Eduarda reforça o perigo de se autodiagnosticar. “Estamos vivendo uma época de muita patologização da vida. Tudo vira um problema muito grande, sendo que é um problema, mas será que é tão grave assim?”, provoca. Com um grande público jovem e universitário, ela diz que o TDAH e a ansiedade são campeões entre os autodiagnósticos, já que essas pessoas passam muito tempo sob pressão de rendimento acadêmico. Sensações comuns são transformadas em doença, sem considerar o contexto em que estão.

Por outro lado, redes sociais podem desempenhar um papel importante na promoção da saúde mental. Grupos de apoio no Facebook, WhatsApp e páginas no Instagram que abordam o assunto, criam comunidades em que os participantes podem compartilhar experiências e sentimentos, encontrando apoio, solidariedade e compreensão em um momento difícil. 

Para Gabrielle Vieira, 24, pedagoga e influenciadora digital de Aparecida de Goiás (GO), as redes sociais se tornaram uma ferramenta importante para lidar com a depressão e o Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), diagnóstico que recebeu em 2012, após uma tentativa de suicídio. Durante a adolescência, ela tinha histórico de automutilação, mas não compreendia com o que estava lidando. “Eu não cheguei a pesquisar, porque nem eu entendia o que estava acontecendo. Não tinha como eu pesquisar algo que desconhecia”, avalia. Nesse período, ela começou a participar de comunidades e páginas que falavam sobre depressão, em que encontrou pessoas em situações parecidas com a sua. 

"É importante falar de uma maneira que não gere gatilhos nas pessoas"

 Gabrielle Vieira, pedagoga e influenciadora digital

Apesar dessas comunidades proporcionarem um ambiente de identificação, Gabrielle alerta para os riscos que podem ser encontrados: “se não tomar cuidado, as comunidades te afundam mais, e isso acaba só alimentando sua tristeza”. Há pouco mais de um ano, ela começou a criar conteúdo em sua página no Instagram, compartilhando sua rotina e mostrando como lida com esses transtornos, a fim de motivar pessoas que lidam com a mesma situação. Gabrielle comenta: “Saúde mental é algo comum, real, e precisa ser falado. Os transtornos não têm cara, é possível lidar com isso, mesmo sendo difícil".

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Produto editorial da disciplina
Laboratório Integrado II: Grande Reportagem Multiplataforma, elaborado por estudantes do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto

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