
<foto> Maria Clara Soares
ENTRE O LOCAL E O DIGITAL
As mudanças trazidas pelas tecnologias digitais ao comércio local ocasionaram a ampliação dos negócios, mas esse processo varia de acordo com consumidores e comerciantes
Julia Peret, Maria Clara Soares e Wanessa Sousa
[Outubro, 2024]
No ano de 1968, em uma “portinha de garagem”, no bairro Rosário, na cidade de Ouro Preto, nasceu a Quitanda do Alcides, um estabelecimento voltado para o comércio de hortaliças e itens de agricultura familiar. Antes disso, Alcides Delfino Xavier e seu pai, Paulo Xavier da Costa, percorreram diversas vezes o caminho entre o povoado de Botafogo e Ouro Preto para comercializar seus produtos, conta Jucimara Xavier, 48, filha do empreendedor.
“Meu pai começou o comércio de venda de porta em porta, com o meu avô puxando um burrinho. Os dois plantavam e traziam as mercadorias, hortaliças e outras coisas que eles conseguiam produzir lá. Meu pai começou a fazer uma clientela na cidade e a partir daí que ele conseguiu abrir um ponto”, relembra Jucimara.

Alcides produz a maior parte dos produtos comercializados na mercearia. Semanalmente, ele passa pelo estabelecimento para deixar frutas, verduras e legumes produzidos em seu sítio, na zona rural de Ouro Preto. <foto> Júlia Péret
O espaço inicial deu lugar ao que hoje é uma mercearia. Responsável por gerenciar o estabelecimento ao lado do irmão mais velho, Jucimara afirma que, embora seja uma pessoa simples e sem estudo, o pai sempre teve uma boa percepção de mercado e de relacionamento com o cliente, e foi esse fato que permitiu que eles se firmassem na cidade. “Tem muita gente que comprava com ele, desde a primeira portinha, que compra até hoje. A gente sobreviveu exatamente por isso: graças à clientela fiel que nos acompanhou, desde o princípio, que ainda mora aqui na redondeza”, relata.
O modelo de trabalho descrito por Jucimara é o de um comércio local, que de acordo com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) é integrado por pequenas e médias empresas que atendem a uma comunidade específica, oferecendo produtos e serviços personalizados, e que possuem proximidade com o cliente. Muitos estabelecimentos tradicionais, com métodos de venda à prazo para antigos consumidores, exatamente como é feito na Mercearia do Alcides, sobrevivem até os dias atuais.

Eliane Cristina Pereira, de 57 anos, cliente fiel da mercearia, preenche a ficha para comprar a prazo, um dos métodos de venda mais utilizados no local. <foto> Júlia Péret
Uma das principais cidades para o Ciclo do Ouro no Brasil, Ouro Preto recebe, de acordo com dados de 2024 da Secretaria de Turismo municipal, em torno de 500 mil visitantes por ano. A cidade está localizada no interior de Minas Gerais – a cerca de 110 quilômetros de Belo Horizonte – e, apesar do grande número de turistas, é considerada um Centro Sub-regional. De acordo com a classificação hierárquica urbana do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), um Centro Sub-regional é um município de menor porte populacional, com média nacional de 70 mil habitantes. A população de Ouro Preto, segundo o Censo de 2022 do IBGE, é de 74.821 mil habitantes.
Chrystian Soares Mendes, professor da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e doutor em Economia pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), afirma que em grande parte das cidades do interior, como Ouro Preto, há uma predominância da prestação de serviços, que envolvem artesanatos, aluguéis de imóveis e produção de alimentos vindos da agricultura familiar.
No Brasil, de acordo com a Pesquisa Mensal do Comércio (PMC), realizada em junho de 2024 pelo IBGE, houve um aumento de 4% no Comércio Varejista em comparação com o mesmo período do ano anterior. Em 2023, o chamado “Varejo Restrito” correspondeu a 20,45% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, segundo a Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC). “Varejo” é o nome dado aos bens ou serviços vendidos diretamente ao cliente final, como é o caso da mercearia do Alcides.
Para além dos métodos tradicionais, hoje, o mercado convive com uma outra lógica de compra e venda em alta de constante crescimento: o comércio eletrônico. O e-commerce, como é conhecido, chegou ao Brasil em meados da década de 1990 e é caracterizado pela compra e venda de produtos ou serviços por meio da internet.
[Da loja física ao clique]
Há 31 anos no mercado, Fernanda Magalhães Toledo, 59, proprietária da loja Cervantes Ouro Preto-MG, já utilizou da indicação popular e de diversos outros recursos para divulgar seus produtos: de mala direta enviada à residência de clientes a anúncios em rádio, até as estratégias digitais de divulgação, como o e-commerce e a exposição em redes sociais.
Um site de e-commerce foi uma das alternativas utilizadas por Fernanda no início de sua transição. “Quando comecei, pensei em divulgar on-line, porque aqui no Centro Histórico [de Ouro Preto] é difícil ter lugar para estacionar, então eu queria mostrar o meu produto de alguma forma para as pessoas. Se elas não conseguissem vir aqui, eu queria que a loja chegasse até a casa delas”, afirma.

Fernanda Magalhães, proprietária da loja Cervantes Ouro Preto, sempre teve paixão pelo mundo dos negócios. <foto> Júlia Péret
De acordo com dados divulgados pela Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm), no primeiro trimestre de 2024, as vendas totais do comércio digital brasileiro atingiram a marca de R$44,2 bilhões, um aumento de 9,7% com relação ao ano anterior. Embora o número seja elevado, na prática, Fernanda conta que, ao tentar utilizar um site e-commerce no seu negócio, o empreendimento não deu o retorno desejado. Isso porque, a estratégia não atingia o público-alvo da loja e, para mantê-la atualizada, era necessário um funcionário específico para isso. Hoje, as vendas da Cervantes Ouro Preto são, em média, 40% feitas por meio de interações no Instagram e no WhatsApp, uma outra estratégia de vendas adotada por Fernanda para se estabelecer no digital.
Embora esteja se inserindo no meio cibernético, a comerciante acredita que a troca com o cliente sempre foi importante para preservar as vendas. Em sua loja física, a ideia é compor um ambiente convidativo, para que os consumidores possam entrar e aproveitar o espaço para além de uma compra ligeira.
